Capítulo I

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Galway, Irlanda 1870

A chegada do inverno, ah o inverno, sempre foi minha estação favorita, o inverno irlandês não é tão rigoroso quanto o inglês ou o escocês, mas ainda assim é maravilhoso. O orvalho sobre as árvores, a brisa fria, o ar úmido e ameno eram como um abraço suave e gelado.
  Fui tirada de meus devaneios por Brenna, minha irmã mais nova, a caçula de 5 irmãs. Ela foi a única que teve a sorte de herdar as madeixas ruivas da minha mãe. Seus olhos verdes sempre tão espertos me fitavam com animação.
- Brenna, o que faz aqui tão cedo? - ela me encarou se perguntando se eu não percebia que também tinha passado a noite acordada com ela na biblioteca, mas sim, eu sabia disso, só não podia me permitir intimidar por uma garotinha de 8 anos.
- Bem...acredito que o mesmo que você, estou admirando a chegada do inverno.
- Ah pare de me enrolar, diga o que esteve fazendo depois que saímos da biblioteca e eu a mandei para sua cama?
- Tudo bem, eu confesso! Fui até a cozinha e devorei a torta de maçã, se mamãe descobrir irei ficar sem sobremesa então não conte a ninguém! - mesmo tão esperta ainda se entregava com os cantos dos lábios lambuzados de mel e açúcar.
- Tudo bem, não contarei a ninguém, mas precisamos nos arrumar para o café da manhã, é melhor ir se lavar se não quiser que ninguém descubra sobre o sumiço da torta de maçã. - ela saiu tão rápido que quando a vi de novo ela já estava frente a frente com Winnie, a mais velha das 5 irmãs. Winnie a encarou com um olhar severo porém amoroso e sem precisavar dizer uma só palavra mandou Brenna para o seu quarto.
- Deixou ela comer a torta de maçã antes do café de novo? -
- Ah Winnie, sabe muito bem que nada pode interferir na relação entre aquela garotinha e uma torta de maçã! - Winnie se sentou a beira da minha cama, ainda me espantava com a maturidade que ela possuía aos vinte e dois anos. Por ser a mais velha Winnie sempre se sentiu responsável por nós, sempre cuidou e amparou as quatro irmãs como se fossem suas filhas, às vezes nos esquecíamos que ela também era só uma criança em diversas situações.
- Está certo, contra fatos não há argumentos. Anne, também precisa ir se arrumar, hoje teremos visitas para o café da manhã, papai e mamãe querem as cinco prontas antes que as visitas cheguem. Lorde Campbell vira me conhecer hoje, acompanhado de seu filho mais velho, Lorde Liam Campbell. - Winnie sempre teve o dom de controlar suas emoções muito bem, mas eu sabia que ela estava ansiosa para conhecer o possível futuro noivo.
- Não se sente apreensiva em conhecer o homem que um dia poderá se tornar seu marido?
- É claro que sim, mas sei que papai jamais permitirá que eu me case com um homem que não seja digno e gentil, então se ele for um grosso arrogante sei que não me casarei com ele. - mas para a sorte de Winnie Lorde Campbell se mostrou perfeitamente adorável durante toda a refeição. O café da manhã foi tranquilo e tudo saiu como o planejado, exceto por Gwineth, a segunda mais nova, derrubando chá em seu vestido.

   Logo que os Campbell foram embora percebi que havia perdido minha irmã para o amor, a pior parte é que mal consegui ficar chateada por isso, logo me vi em volta em preparativos para casamento e muitas rendas misturadas a glacê de bolo e tafetá. Winnie estava feliz e isso era tudo o que importava, o único problema foi que toda aquela situação despertou em mim algo inesperado, logo seria a minha vez, e por mais que minha irmã estivesse feliz e eu a admirasse profundamente, sabia bem no fundo que não era aquilo o que eu queria para mim. Minha irmã passou parte de sua vida se preparando para esse momento, estudou muito, treinou dia  após dia como se portar em todo tipo de ocasião, ajudou mamãe a cuidar de nós e nunca teve tempo para si mesma e agora se casaria, se tornaria a mãe que de certa forma sempre foi e nunca teria a oportunidade de se descobrir.
   Sempre ajudei Winnie e mamãe no que pude, e igualmente nunca tive muito tempo para mim. Assim como Winnie fui treinada minha vida inteira e agora minha hora estava chegando e tudo o que eu queria era sair de casa, correr pelos gramados irlandeses e aproveitar a vida sabendo quem sou e o que quero. Foi com isso o que sonhei minha vida inteira, com o ar úmido roçando em minhas madeixas cacheadas e douradas, sentir a grama sob os pés. Em poucos dias eu completaria dezenove anos, era a minha chance de viver tudo o que sempre sonhei, todos estarão felizes pelo casamento de Winnie que será em breve e mal notarão minha ausência. Era a hora de tomar a decisão mais arriscada da minha vida e me deixar guiar pelos meus sonhos e instintos.
   Seria muito doloroso me separar das minhas irmãs, Winnie, Dara, Gwineth e Brenna. Meus pais Kennedy e Fiona, sempre tão gentis e amorosos, o amor deles sempre foi a minha maior esperança de um dia me contentar em viver só uma vida familiar tradicional. Os chás da tarde em família, as festas que nós 7 fazíamos após o jantar cantando músicas irlandesas vão me fazer muita falta no tempo em que passarei longe, mas sei que eles me amam e por mais que não concordem com o que irei fazer, ficarão felizes quando me virem feliz. Só poderei me casar depois de me descobrir e para isso terei que partir.

Uma Jornada em Busca da Liberdade por Milena Milão Onde histórias criam vida. Descubra agora