Capítulo V

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Athenry, Irlanda 1870

  Saí do quarto ainda com a lembrança da pele branca por baixo da musselina, seu rosto vermelho refletido no espelho e seus cabelos jogados livremente sobre os ombros. O que estou fazendo? Ela é uma jovem dama pura e imaculada que atingiu o mais escuro tom de vermelho ao me pedir para ajudá-la a abrir o espartilho. Desci até aonde a festa acontecia, adentrei em um pub e pedi uma típica cerveja irlandesa. O lugar estava cheio de homens bebendo, jogando, rindo, etc, em tão pouco tempo já havia me acostumado a ter uma companhia feminina. Com a voz calma e suave, o perfume de lírios e os assuntos sempre eruditos e concisos. Agora me encontro em meio a homens sem o mínimo do recato e alguns nem sequer tem educação. Mas senti uma pontada de saudade das minhas tavernas em Dublin. Aquele era o meu espaço, meu território, eu sabia dizer qual cerveja era só pelo cheiro. E realmente ali eles serviam ótimas cervejas.
   Uma hora, mais ou menos, se passou e meu estômago já estava praticamente conversando comigo exigindo uma refeição descente. Paguei por minha cerveja e voltei para a pousada, ao passar pelo saguão vi vários casais rindo e dançando, sai de casa porque achava que estava muito novo para me casar, mas lá eu tinha dezessete anos, agora tenho vinte cinco porém as minha convicções quanto ao casamento ainda não são muito favoráveis.
    Cheguei no quarto, bati na porta e a resposta foi imediata:
- Entre, você chegou na hora certa! - ela estava sentada na beirada da cama, os cabelos estavam úmidos porém perfeitamente arrumados sem nem um fio fora do lugar, percebi que prefiro ele rebelando-se contra os laços e com cachos escapando do penteado. A única coisa fora do lugar era o espartilho, que ela segurava firmemente com as duas mãos para que nada fugisse do mais recatado possível. - Será...que você...poderia me ajudar? - não tinha jeito, um tom de rosa tingiu imediatamente suas faces.
- Ah, claro. - então fui até ela que já estava de costas para mim. Comecei a cruzar as fitas e aperta-las, assim que fiz à primeira parte Annelise se pronunciou dizendo:
- Pode apertar mais um pouco por favor? -
- Posso, mas se eu apertar mais um pouco você ficará sem respirar.
- Ah, já estou acostumada. Me lembro até hoje do meu primeiro baile, mamãe apertou tanto meu espartilho que cheguei ao baile quase sem cor. - uma sensação estranha percorreu o meu corpo, pensar em Annelise, que geralmente está com as bochechas rosadas, completamente sem cor era angustiante.
- Está bom? - disse ao apertar um pouco mais.
- Tem como apertar mais? - ela disse, porém sua voz já estava entrecortada e eu vi que estava prendendo a respiração. Não sei o que se passa na cabeça das mulheres, só sei que não compactuaria com aquele crime.
- Ann, não acha que já está bom? Você já está sem respirar. - então ela me olhou por sobre o ombro e poderia ser pela falta de ar mas seus olhos estavam vermelhos.
- Perdão, é que acabei de me dar conta que passei por isso minha vida inteira sem nunca questionar o motivo de passar por esse martírio.
- Não precisa passar por isso Ann, acredite, com todo o respeito que tenho por você digo que sua beleza está em ser quem você realmente é. - quem disse isso? Porque estou quase acreditando que fui eu. - mas, bem, você quem deve decidir isso.
- Por favor, tem como soltar um pouco? Não estou conseguindo respirar! - disse agora sorrindo.

Uma Jornada em Busca da Liberdade por Milena Milão Onde histórias criam vida. Descubra agora