08|Sem se importar

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— Já pensou em qual universidade entrará quando voltar para o Rio? — meu pai pergunta enquanto Jantamos.

Ele conseguiu um tempinho hoje para jantar só comigo. Confesso que não estava muito afim. Mas é meu pai. E eu certamente tinha deletado da minha mente a proposta que eu havia feito para convencer ele a me trazer para a Argentina. Está bem longe dos meus planos voltar a cursar fisioterapia.

— Não pensei muito. A única em minha mente continua sendo a USP — repondo sem olhar para ele.

— Se for para voltar para São Paulo é melhor nem volta a estudar!

Suspiro para não falar nada. Desde nova sonhava em estudar na USP. Estudei muito durante ensino médio para ir bem no Enem e não precisar depender do meu pai para pagar a faculdade. Minha nota foi excepcionalmente boa. 945,6. Poderia ter seguido meu sonho e entrado na faculdade de medicina. Mas preferi fazer a vontade do meu pai e tentar cursar algo que poderia me fazer trabalhar com ele.

— Andrey me disse para tentar entrar UNESA — conto depois de alguns minutos de silêncio.

— Seria ótimo — sorri para mim e eu desvio o olhar tentando esconder minha infelicidade — O que foi Nanda?

— Nada. Só estou com um pouco de dor de cabeça — minto.

Meu pai me olha por alguns instantes. Me analisando da cabeça ao pé praticamente.

— Quer estudar na USP para ficar perto do Kaiky de novo? Levar outro pé na bunda por ele supostamente não estar tão apaixonado quanto você? — pergunta sério.

— Pai por favor! Esquece o Kaiky! Eu já esqueci! Estou muitíssimo bem sendo apenas amiga dele! E eu garanto a você que ele não me machucou. Pelo menos não como você faz parecer!

— Claro que eu estou errado Maria Fernanda?! — exclama irônico — Por que mais você desistiria de estudar na universidade dos teus sonhos se ele não tivesse te machucado?

— Talvez por eu não querer ser fisioterapeuta?!

— EU JA TE FALEI QUE VOCÊ NÃO VAI SER MÉDICA! — ergue o tom de voz chamando a atenção de outras pessoas presentes no restaurante.

— Quantas vezes eu vou ter que dizer que o que matou a minha mãe não foi o emprego dela!

— Não coloque a sua mãe no meio dessa conversa! — pede em um tom mais baixo, mas ainda irritado.

Minha mãe era médica. Foi o marido de uma paciente quem matou ela. Ela não conseguiu salvar uma vida, e em troca perdeu a dela. A paciente estava na lista de espera para um transplante de coração, e apesar da minha mãe ter feito de tudo para conseguir o coração. A mulher morreu antes da minha mãe conseguir. Meu pai diz que o que matou minha mãe foi a profissão dela. Mas o que matou ela foi a falta de recursos em hospitais públicos. E as várias vezes que o sistema é burlado para favorecer terceiros.

— Eu não quero brigar pai. Eu juro! Mas eu to cansada de quer que me adequar aos seus limites e princípios! Eu não sou mais criança! Eu preciso viver minha vida! — solto sentindo meus olhos lacrimejando.

Meu pai apenas me olha sem falar ou esboçar nada. Como se não ligasse para o que eu tinha acabado de falar. Dói sentir que ele não se importa. Dói tanto que é difícil respirar. Saio do restaurante sem nem olhar para trás. Quase cambaleando. Sem saber se estou no caminho certo para o meu quarto. Lágrimas implorando para serem derrubadas. O peito apertado.

Sinto meu corpo se chocar com alguém e minha única reação é abraçar essa pessoa como se precisasse disso tanto quanto necessito respirar. Mesmo sem ter ideia de quem seja a pessoa. Mas a forma como sinto braços me rodeando e uma mão acariciando meus cabelos me diz que a pessoa me conhece. Então eu me permito chorar. Até meus joelhos não conseguirem sustentar o peso do meu corpo. O lado ruim de segurar a dor e os traumas até o último minuto, é que uma hora você explode.

— Eu tô aqui gatinha, eu tô aqui! — ouço um sussurro conhecido ao mesmo tempo em que meu corpo é erguido em estilo nupcial.

Finalmente olho para o rosto de quem me ajudou. Giovani tem uma expressão preocupada e acolhedora. Como se estivesse pronto para enfrentar tudo e todos caso necessário para que eu ficasse bem. E ao contrário do que eu faria até poucos dias, deito minha cabeça no ombro dele e deixo ele cuidar de mim. Não tenho forças para pensar no que é melhor para nós dois agora.

— Se importa em dormir aqui hoje? — pergunta se referindo ao quarto dele — Eu não vou te deixar dormir sozinha, e não tenho a chave do seu quarto.

Agora que estamos em Buenos Aires consegui ficar em um quarto sozinha, apesar dos protestos do meu pai.

— O Kevin não vai reclamar?

— Ele vai dormir com a Ana hoje — sorri de leve — Quer uma camisa minha para dormir?

Balanço a cabeça afirmativamente e ele logo me entrega uma. Assim que levo as mãos até a barra da minha blusa, Giovani cobre os olhos e vira de costas para mim.

— Porra Nanda! — fala ainda sem olhar para mim.

— Desculpa! — Termino de trocar minha roupa pela camisa dele em silêncio — Pronto!

Giovani indica a própria cama para mim. Resolvo não questionar e deito. Ele se aproxima e cobre meu corpo antes de beijar minha bochecha e se virar para ir até a cama de Kevin.

— Gatinho — seguro a mão dele o fazendo se virar para mim — Dorme comigo hoje?

Ele me olha surpreso por alguns instantes antes de concordar. Me ajeito dando espaço para ele deitar e logo depois deito minha cabeça no peito dele que acaricia meu cabelo.

— Quer conversar sobre o que aconteceu? — sussurra depois de alguns minutos.

— Não. Só quero dormir — falo e ele respeita minha vontade.

Aconchego meu corpo no dele e pego no sono em pouco tempo. É a primeira vez desde o jogo contra a Itália que consigo pegar no sono sem esforço. Por algum motivo consigo sentir como se estivesse em casa. Como se dormir nos braços de Giovani fosse tudo que eu precisava.

I Hate You - Giovani Henrique Onde histórias criam vida. Descubra agora