O perdão.

1.5K 127 11
                                    

47°
O perdão

Véspera de Ano-Novo
Sinto muito…
Me perdoe…
Nunca quis te machucar.
Não sei o que estava pensando.
Pedir perdão pode ser difícil, requer coragem e maturidade. Admitir que errou significa se analisar e encarar
o fato de que você não é perfeito e nunca será, de que é falível, como todo mundo.
Cometer um erro é humano, admitir é corajoso.
Os piores erros são aqueles que você não consegue apagar, por mais que se desculpe, por mais que tente, aqueles que deixam uma cicatriz em seu coração. Aqueles que ainda doem quando você se lembra deles.
A noite de Ano-Novo tem esse clima de reflexão, de nos fazer analisar tudo o que fizemos, o que não fizemos, as
pessoas que afetamos de maneira positiva ou negativa.
Passei por tanta coisa esse ano, especialmente depois do verão… Os últimos seis meses foram uma montanha-russa de emoções para mim.
O relógio marca 23h55 e meus olhos se enchem de lágrimas; gostaria de dizer que isso me surpreende, mas não. Sempre choro perto da meia-noite do Ano-Novo, seja por tristeza, alegria, saudade ou um misto de emoções que
eu mesmo não sou capaz de decifrar.
Minha mãe coloca o braço por cima do meu ombro para me abraçar de lado, nós dois estamos no sofá. Viemos para
a casa de sua melhor amiga, Helena, que tem uma família grande. Sempre passamos a virada aqui. Acho que minha
mãe nunca gostou da ideia de passarmos só nós dois, e nem eu.
Minha mãe faz carinho no meu braço, apoiando o queixo na minha cabeça.

— Mais um ano, meu bebê.

— Mais um ano, mamãe.

Helena aparece, com o neto de três anos nos braços.
— Venham, é hora da contagem regressiva.

Há cerca de quinze pessoas nesta pequena sala, o apresentador na TV começa a contagem regressiva.

10.
A risada de Tae…
9.
As loucuras de Carlos…
8.
Os argumentos nerds de Yoongi…
7.
A inocência de Jeff…
6.
A bofetada da minha mãe…
5.
As palavras dolorosas de Jungkook …
4.
As palavras doces de Jungkook …
3.
Seu lindo sorriso ao despertar…
2.
Seus profundos olhos azuis…
1.
Eu te amo, bruxo.

— Feliz Ano-Novo!

Todos gritam, se abraçam, comemoram, e é impossível não sorrir, embora lágrimas grossas escorram pelo meu
rosto. Fui contaminado pela instabilidade dele.
Sinto muita saudade de Jungkook. Depois do Halloween, nos vimos quase todos os dias, mas duas semanas atrás ele me contou que sua família passa as festas de fim de ano em uma praia exótica na Grécia, porque aparentemente eles têm família lá, e eu não pude perder a piada dos deuses
gregos indo para a Grécia. Jungkook perguntou várias vezes se eu queria que ele ficasse. Como eu poderia tirar dele
esse tempo com a família? Não sou tão egoísta assim.
Minha mãe me abraça, e sou trazido de volta à realidade.

— Feliz Ano-Novo, coisa linda! Te amo muito.

Eu a abraço também. Nossa relação ainda está um pouco abalada, mas estamos trabalhando nisso. Na verdade, ainda não contei que Jungkook e eu estamos namorando, um passo de
cada vez. Jungkook me ligou horas atrás para me desejar feliz
Ano-Novo por causa do fuso horário.
Depois de distribuir alguns abraços, volto a me sentar.
Não tenho nada para fazer… E isso me pega de surpresa.
Depois de dar boas-vindas ao ano que chegava, Yoongi vinha me buscar e saíamos para desejar feliz Ano-Novo por todas as ruas, com todos acordados e comemorando.
Dói…
Não posso negar, Yoongi sempre esteve ao meu lado, e esse último mês foi difícil sem ele, porque compartilhávamos muitas coisas. Tínhamos o costume de
sair para brincar na neve na primeira vez que nevasse no ano, recebíamos as crianças com fantasias de Halloween
assustadoras, maratonávamos nossas séries favoritas, comprávamos livros diferentes para trocá-los quando
terminássemos as leituras, tínhamos noites de jogos de tabuleiro, histórias de terror e fogueiras ao lado de casa, e
teve até uma vez que colocamos fogo no quintal e mamãe quase nos matou. Sorrio com a lembrança.

O que estou fazendo?
Posso não ser capaz de voltar a confiar nele tão facilmente, mas posso perdoá-lo; no meu coração não tem
espaço para rancor.
Sem pensar muito, pego o casaco e sigo meu coração.
Saio correndo da casa de Helena, o frio do inverno me atinge, mas vou pela calçada, cumprimentando e desejando
um feliz Ano-Novo a todos que encontro pelo caminho.
Luzes de Natal enfeitam as ruas, as árvores nos jardins em frente às casas, há crianças brincando com estrelas de
Natal, outras fazendo bolas de neve. A vista é linda, e eu me dou conta de que às vezes ficamos tão focados em nossos
problemas que não enxergamos a beleza das coisas simples.
Abraçando a mim mesmo, começo a andar mais rápido, não posso correr na neve, não quero escorregar e quebrar
alguma parte do corpo, seria patético. Meu pé se enterra em um montinho de neve e eu o sacudo para continuar,
mas quando olho para cima, congelo.

Yoongi.
Em seu longo casaco preto, boné preto e óculos ligeiramente embaçados pelo frio. Não falo nada e simplesmente corro até ele, esquecendo a neve, os problemas, as mágoas… Só quero abraçá-lo.

E assim o faço. Envolvendo minhas mãos em volta do pescoço de Yoongi, apertando-o contra mim. Sinto o
perfume suave que ele sempre usa, e isso me preenche e me acalma.

— Feliz Ano-Novo, idiota — digo com a cara enfiada em seu pescoço.

Ele ri.
— Feliz Ano-Novo, Mochi.

— Eu sinto tanta saudade — murmuro.
Ele me segura contra o peito.

— Eu também sinto, você não faz ideia.

Não.
Não foi isso que aconteceu.
Não importa o quanto eu desejasse que isso tivesse acontecido, não mudaria o que aconteceu.
A realidade sou eu correndo pela neve com lágrimas nas bochechas, sem casaco, e segurando meu celular com tanta força que ele poderia quebrar. Meus pulmões queimam com o ar frio, mas não ligo. Minha mãe corre atrás de mim, gritando para eu me acalmar, parar, colocar meu casaco, mas eu não me importo.
Não consigo respirar.
Ainda me lembro da rapidez com que meu sorriso desapareceu quando recebi a ligação, a mãe de Yoongi  parecia inconsolável.

— Yoongi … tentou… se matar.

Não sabiam se ele iria sobreviver, seu pulso estava muito fraco.
Não, não, não.
Yoon, não.
Começa a passar um filme na minha cabeça. O que eu fiz de errado? Onde eu falhei? Por quê, Yoon? O primeiro
sentimento a encher meu coração foi a culpa. Nunca, nunca passou pela minha cabeça que ele pudesse fazer algo desse
tipo. Ele não parecia deprimido, ele não… Eu…
Chegando na casa dele, a ambulância passa por mim a toda velocidade e eu caio de joelhos na neve. Os vizinhos
de Yoon vêm e colocam um casaco em mim. Eu aperto meu peito, respirando com dificuldade.

Minha mãe me abraça por trás.
— Calma, filho, ele vai ficar bem.

— Mamãe, eu… É minha culpa… Parei de falar com ele…Ele… — Não consigo respirar, não consigo parar de chorar.

A viagem de táxi até o hospital foi silenciosa, apenas meus soluços ecoando. Com a cabeça no colo de minha mãe, eu oro, oro para que ele sobreviva; isso não deveria ter acontecido, é um pesadelo. Meu melhor amigo não pode
ter feito isso, meu Yoongi…
Ao chegar no pronto-socorro, vou até os pais de Yoongi, que parecem arrasados, os olhos inchados, a dor evidente em
seus rostos. Assim que me veem, caem no choro, e eu me junto a eles, envolvendo-os em um abraço.

Enxugando as lágrimas do meu rosto, me afasto.
— O que aconteceu?

Através da minha janela (jikook)Onde histórias criam vida. Descubra agora