C a p í t u l o 01

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"Existem muitos caminhos para a felicidade. Ter um gato é um bom atalho.
- Mayara Benatti"


A y l a  S a n t o s

- Um, dois, três.. - Paro de contar ao sentir as garras da minha gata mal humorada cravar em meus dedos que eu havia levantado apenas a alguns momentos atrás enquanto fazia uma conta que na minha cabeça é difícil. - Sua cadela! - Puxo a cabeça dela que insiste em se manter na minha mão, como se fosse seu amado ursinho de urubu. - Tá bom, tá bom! Pode parar de putaria Salem! Já atendi, a mamãe vai te dar um sachê.

Como se fosse mágica, a sínica se desgruda do meu corpo ao ouvir sua palavra favorita e mia quando pula no chão de madeira, saindo andando majestosamente rumo a sua vasilha de ração. Não consigo conter o sorriso besta e vou para a minúscula cozinha do dormitório, subo na cadeira e pego o sachê da Whiskas de peixe que comprei com muito esforço e dinheiro pela internet, o preferido dela. Pego a tesoura que mal corta papel e com dificuldade tento abrir o pacotinho, enquanto isso Salem está com os olhos fixos em mim, sua pupila dilatada mostra que seu verdadeiro amor é essa comida, não eu.

Quando vê que demoro para abrir começa a miar e meu coração erra uma batida.

- Calma, calma meu amor. Sabe que não pode fazer escândalo, quer ser separada de mim e deixar suas comidinhas para trás? - Faço uma voz infantil e ela se cala, ao mesmo tempo em que abro o sachê. - Porra! - Dou algumas tossidas ao sentir o fedor horroroso característico dessa coisa. - Como você consegue comer isso?

Coloco aquela coisa gosmenta em seu pote e ela vai abocanhar com gosto, faço uma cara de nojo. Gata sebosa.

Saio daquele ambiente infestado pelo odor e volto ao meu quarto, sendo em minha cama e pego meu livro intitulado "Matemática Básica para Leigos", estou no meio e sinto que não aprendi nada. Definitivamente exatas não é meu tipo, aceitei isso quando estava no ensino médio e quase bombei em matérias que haviam cálculo. Mas já estou com meus 22 anos, me recuso a aceitar que demoro décadas para raciocinar uma simples conta de mais, isso já é incabível até mesmo para alguém como eu.

Quando começo a finalmente emergir no livro sinto o vento gelado que entra pela porta eriçar meus pêlos, escuto uma batida já suspirando alto, sabendo que irei me distrair novamente.

- Ainda não acredito que tive de sair nesse...Oi meu amor! Como vai meu bebê, ein? - Voz fina e grunidos estranhos são escutados enquanto minha colega de quarto mima minha gata gorda. - Tá bom, okokok, já soltei. - Gargalho com a voz desesperada de Julie ao provavelmente ser arranhada e mordida, pelo menos não sou a única odiada. Logo sua figura alta e loira é vista na porta. - Sua gata é um animal! - Sua voz falsamente ressentida me faz rir ainda mais.

- Seria assustador se não fosse! - Coloco um marcador na página e jogo o livro ao meu lado.

- Ficou chateada com o que aconteceu na aula bebê? - Sua voz debochada e cheia de humor me faz revirar os olhos e deslizar minhas costas na parede, deitando na cama e afundando meu rosto no travesseiro.

- Aquilo acabou com a minha já péssima reputação. Como eu pude não saber quanto é nove mais cinco em números romanos? Eu sou a vergonha da faculdade. - Minha voz sai abafada e sinto a cama afundar do meu lado. - Fala isso porquê não foi com você!

Mais cedo na aula estávamos estudando e teorizando sobre as pirâmides do Egito, e como a arquitetura da época foi tão avançada mesmo com a denominada ignorância e falta de recursos a época. Estudo História, então matemática não faz parte da minha vida e espero nunca fazer, porém no meio de teorias da conspiração, mentes geniais e fórmulas foi feita a pergunta para mim, e com meu raciocínio de peixe-boi e nervosismo eu errei, a vergonha juntou com a ansiedade e não paro de pensar nisso desde que saí da aula.

- Ainda bem, imagina errar uma questão que se aprende na alfabetização? - Viro meu rosto em sua direção indignada e então pego o travesseiro e começo a acertá-la sem medir forças, enquanto se defende. - Desculpa, desculpa! Prometo não falar mais sobre isso! Pode parar! - Largo o objeto, não por sua causa, mas sim pelo meu sedentarismo que já me deixou cansada. - Como estava dizendo quando cheguei, vim te lembrar sobre a palestra "Contando os segredos da cozinha", te conheço pra saber que iria fingir que esqueceu.

Me jogo desanimada e me aninho em minha cama quentinha. Horas complementares é a coisa mais idiota que já inventaram faculdade, para que preciso disso? Em que vai mudar há vida? Nem Tales explica isso.

- Coisa mais ridícula! Isso é revoltante!

Levanto do meu cantinho de luto pelo meu tempo que será perdido, e pego um casaco preto, bem quentinho, junto a minha bota. Apesar de estar morando no Canadá há cinco anos não consigo acostumar com esse frio doloroso, sinto falta do ar quente e aconchegante que só Brasil pode oferecer.

- Vamos logo, larga de enrolação. - Escuto Ju gritar da porta

Passo rapidamente pela felina e dou tapinhas em seu bumbum gordo, sentindo seus pêlos negros macios sob minha palma, me despeço e saio do nosso dormitório, trancando a porta atrás de mim. As pessoas daqui não têm esse costume e deixam tudo aberto, eu, com meu sangue de brasileira, acho loucura de americano.

- Pronto, ainda temos vinte minutos até chegar lá, vamos chegar cedo por sua causa, apressada.

- Melhor cedo que atrasada, não quero ser o centro das atenções negativas dos professores de novo.

Concordo com a cabeça e então começamos a descer as escadas amadeiradasdo nosso prédio velho e distante. Quase todos os alunos da Universidade Brantford estão em algum clube, os que não estão fazem parte (ou participam de um "insignificante), ficam em nosso prédio, aqui estão os desajustados e ignorados pelos outros (normalmente por escolha). Diferente do que pensam não é um logar ruim, na verdade é incrivelmente bom, por ser um ambiente em que apenas os excluídos moram, não tenho que escutar sexo de outrem ou músicas altas. Ou seja, perfeito.

- Ayla. - Sinto a mão de Ju segurar meu braço e paro no lugar, seu rosto perde toda a cor sigo seu olhar que está focado em algo, logo vejo um trio muito conhecido por nós a alguns metros a frente.

Dois deles estão olhando risonhos para algo no celular que o do meio está mostrando, enquanto isso, os olhos do loiro, de um tom claro e penetrante, estão cravados em mim. Sua expressão é intensa e perturbadora, como se estivesse estudando cada movimento meu. Sinto-me desconfortável sob seu olhar incisivo, como se estivesse sendo avaliada minuciosamente. Sua pele alva, quase translúcida, contrasta com seus cabelos loiros claros, conferindo-lhe uma aparência misteriosa e quase etérea.

Enquanto meus pensamentos vagueiam sem minha permissão, me recordo de quando o vi pela primeira vez e não pude deixar de associá-lo à cena de Edward Cullen se revelando um vampiro para sua amada, ele é tão branco que chega a brilhar, tadinho, não pode nem pegar sol...

Antes que eu possa escapar das minhas divagações, percebo que sua figura imponente e opressora está se aproximando de mim. Um arrepio percorre minha espinha e meu riso se dissolve instantaneamente ao percebermos a distância considerável que nos separa.

- Há quanto tempo não vejo meu bichinho... - Murmura, soltando uma baforada de fumaça do seu cigarro que é levada em minha direção pelo vento. O odor repugnante invade minhas narinas, causando-me repulsa. - Já estava com saudades. - Acrescenta, enquanto suas mãos frias deslizam delicadamente pelos meus cachos rebeldes e desidratados, revelando a falta de cuidado e de produtos para o cabelo.

O sorriso malicioso está estampado no rosto daquele que é meu tormento pessoal. Damon, meu próprio inferno. Ele é meu karma personificado, arrastando-me para fora da paz que tanto busco.

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Olá a todos! Por enquanto o livro não terá dia de postagem, então até a próxima!

Arbitrário - Damon D'AngeloOnde histórias criam vida. Descubra agora