Capítulo 9

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 A lua estava diferente. De alguma forma, seu brilho parecia estar mais apagado, no caso, estava por trás de muitas nuvens pesadas. Parecia estar se escondendo de algo, como se alguma coisa ruim tivesse acontecido. A energia que emanava daquele lugar era algo que ninguém poderia dar-se ao luxo de evitar sentir.

O vento frio circulava bruscamente por aquele beco, as folhas secas chegavam a subir até a altura dos meus joelhos, e o agasalho não era suficiente para deixar a situação mais confortável.

Caminhei em silêncio sem saber exatamente para onde estava indo, até encontrar um lago, cujas águas cristalinas passavam a impressão de calmaria em meio a turbulência que eu sentia. Quando me aproximei mais um pouco, uma garotinha de cabelos quase tão claros quanto os meus apareceu, encarando-me nos olhos de maneira desolada.

Não sabia como explicar o que via nela, os olhos azuis hipnotizantes poderiam prender a atenção de qualquer um, mas ao mesmo tempo, a morte parecia sondá-la.

Foi quando percebi isso que ela me esticou uma pedra com quinas afiadas. E eu não queria segurar, mas quando ela percebeu, colocou-a em minha palma esquerda ela mesma.

"Por que está me dando isso? " Perguntei, percebendo que aquela foi a primeira vez que eu falei desde que me lembrava.

E eu realmente queria saber. Tinha quase certeza que ela iria dizer que era um presente, típico de crianças fazerem aquilo com estranhos com quem simpatizavam — eu sabia disso, porque era o que eu via as crianças em Keramzin fazerem com os testadores grishas na esperança de que eles as levassem por afeição. Nunca funcionou.

"Me ajude a matar um monstro" ela disse, com certa coragem no tom "consigo sozinha, mas com ajuda, será mais rápido."

"Que monstro? Você quer dizer um lobo?"

Provavelmente vivia em algum tipo de acampamento, a julgar pelas roupas. Além disso, naquela época do ano, era normal que criaturas selvagens se aproximassem devido a oferta de calor durante as noites frias.

"Onde estão seus pais?" Insisti, quando não recebi resposta.

A pequena apenas me puxou pelo braço para dentro do lago, e eu não conseguia me mover, ou nadar, porque não estávamos nadando. Era como se estivéssemos sendo puxadas pela água.

Ela era uma Hidros.

"Alí está! Não faça nenhum barulho, tudo bem?" Sorriu para mim. "Onde está sua pedra?"

Mostrei a pequena rocha prateada para ela, então ela indicou ao longe um garoto da sua idade, a pele era tão pálida que a luz da lua sob ele não contrastava com seu tom, diferentemente dos cabelos, negros como o carvão puro.

Por que ela queria machucá-lo?

"O que ele fez para ser um monstro?" Perguntei de uma forma que soasse ingênua, torcendo para que ela não notasse o nervoso que crescia no meu estômago.

"Ah, ele é amaldiçoado" indicou-o com o rosto; "o que ele controla é maligno, e, se eu matá-lo enquanto está distraído, farei um favor para a minha família."

Quando tentei impedi-la de fazer qualquer coisa, foi como se eu tivesse me tornado onipresente na situação. Eu estava invisível para ela. E para o garotinho também, percebi quando tentei gritar para avisá-lo.

Primeiro, ela o afogou.

Depois, pedras foram atiradas por ela, até que o lago cristalino estivesse pintado de sangue.


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Acordei num pulo. Pelo menos havia sido só um sonho desagradável, e o dia seguinte nem havia começado ainda.

Por que o garoto do sonho me lembrava tanto o Darkling, mesmo que eu nunca tenha o visto realmente vulnerável como aquela criança estava? E por quê o laço me fazia querer tanto vê-lo, para saber se ele estava bem, quando na verdade eu não me importava nenhum pouco se o Herege Negro estava vivo?

Odiei a mim mesma a cada passo que dei até o quarto dele. E mesmo assim, continuei andando, como se a minha mente e o coração estivessem sendo controlados por duas coisas diferentes?

Dei dois toques leves na porta e, quando não obtive resposta depois de alguns minutos, abri devagar, torcendo para que ele não percebesse. Afinal, era só uma olhadinha, não?

O mesmo teto de obsidiana com a única possibilidade de luz advinda das madrepérolas cravadas em formatos de constelações, que reluziam a leve faixa de luz lunar entrando por uma brecha da varanda semi aberta era mais familiar do que eu gostaria que fosse. Mesmo assim, eu sempre tinha uma nova experiência ao entrar naquele lugar.

Aproximei-me devagar da cama, e lá estava ele, o corpo exibindo os músculos marcados do peitoral e dos braços que ele não parecia ter, já que sempre estava de kefta. Uma calça de tecido leve era a única coisa que usava, os cabelos negros estavam colados em sua testa quase que meticulosamente por uma camada fina de suor que cobria todo o corpo.

Sua respiração estava ofegante, então chequei seus batimentos pelo pulso — a forma mais discreta de fazer aquilo só por desencargo de consciência — e ele estava bem, apenas dormindo.

Tudo bem que pela forma como tremia de minuto em minuto, deixava claro que estava tendo um pesadelo. Mas por quê eu deveria me importar? Uma coisa era checar se estava vivo, outra totalmente diferente era se preocupar porque o Darkling não dormia bem.

Quando eu me virei para sair daquele quarto, senti uma mão segurando meu pulso com certa força, obrigando-me a virar-me novamente.

"Fique." Sua voz saiu rouca em um sussurro quase que suplicante.

"Não faz parte do nosso acordo, então fique sozinho."

Estranhamente, eu pensei se realmente deveria ter falado aquilo ao invés de apenas ter ido embora. Afinal, os olhos dele estavam fechados, ele esqueceria que eu estava ali. Então eu me soltei em um movimento delicado, saindo da área da cama em seguida.

"Alina" a voz ecoou pelo quarto quando minha mão estava prestes a tocar a maçaneta "não me deixe sozinho no escuro"

Meu coração apertou. Mesmo assim eu toquei a maçaneta.

Fechei os olhos por alguns instantes. "Não me deixe sozinho no escuro". Por que um pedido soava tão inocente a ponto de me fazer querer ficar mais um pouco, ao invés de desprezá-lo, da mesma forma que ele fazia com as minhas fraquezas?

Eu sabia que iria me arrepender daquilo, mas apenas sentei no tapete, encostada na cama, tocando a mão dele por alguns instantes. Eu ficaria só um pouco, e, quando ele parasse de delirar, eu iria embora.

Ele não lembraria de nada, no máximo, iria pensar que era parte de um pesadelo.

Não me dei conta quando o cansaço fez meus olhos pesarem mais rápido do que eu desejava, então, tudo ficou escuro.




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⏰ Última atualização: Jul 12, 2023 ⏰

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Light and Dusk- an alternative ending for the grisha trilogyOnde histórias criam vida. Descubra agora