Prólogo

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Avisos:

— Essa história não tem compromisso algum com a realidade;

— Algumas personagens são totalmente ficcionais e outras não, entretanto as personalidades de todas são inventadas;

— O cenário se passa no universo do vôlei, portanto o esporte permeará todo o plot;

— Espero que gostem.

[Flashback]

Carol Gattaz para o saque...- narra Jader Rocha da cabine do ginásio Arena UniBH, atento a movimentação em quadra.— Laís falha na recepção, mas a levantadora canadense conserta e levanta na saída pra Sabrina...

Todas as centenas de pares de olhos acompanham o movimento da bola no ar em frenesi, tão absortos que o mundo poderia acabar naquele instante e ninguém notaria. Fabi Alvim, ex-líbero da seleção brasileira e agora comentarista do canal esportivo, se ajeita na cadeira prestes a tecer algum comentário sobre a jogada que Nyeme executou.

Bloqueio amorteceu e olha o que a Nyeme fez... Meu Deus!

Olha esse levantamento, amigo Jader.- a líbero comenta, encantada, o que se passava na mente de todos naquele instante.

É pra fechar, Luiza.- Jader conduz a jogada com a sua melhor entonação empolgada, lançando o corpo para frente do microfone como se pudesse entrar em quadra com as jogadoras. Quando abriu a boca para continuar, um som estrondoso calou-o por alguns instantes.— Céus! A Luiza caiu.

Silêncio. Por décimos de segundos que pareceram eternos, a torcida silencia pela primeira vez na noite e um grito ecoa em Belo Horizonte. Todos soltam o ar que prendiam em uníssono e rapidamente a fisioterapeuta do clube entra em quadra, antes mesmo de ser autorizada pela arbitragem.

Vamos torcer que não seja nada, mas pelo jeito que ela caiu...- Fabi deixa a frase no ar, apreensiva. Seu tom preocupado dizia mais do que as próprias palavras.— A Bruninha Melato, fisioterapeuta do Minas, está tentando ver o joelho dela.

Chora copiosamente a jovem ponteira nesse momento.- descreve o homem, assistindo a cena aflitiva que se apresentava na sua frente.— Suas companheiras de time estão em choque.

As jogadoras tentavam se aproximar da jovem que urrava de dor no chão, mas os profissionais de saúde cercavam-na, dificultando o contato. Não havia mais rivalidade, as adversárias cariocas também se aproximaram na tentativa de consolarem as companheiras de time de Luiza e saberem a gravidade da lesão da atleta. Os gritos eufóricos dos torcedores foram substituído por olhares atentos, outros marejados, por palavras sussurradas especulando o que poderia ter dado errado para a garota ter caído daquele jeito.

Infelizmente a jovem promessa do time mineiro vai deixar a quadra e a gente fica na torcida pra que tenha sido só um susto.

Não foi apenas um susto como Jader Rocha e Fabi Alvim desejaram naquela transmissão. Luiza Martins rompeu os ligamentos do joelho esquerdo e precisou passar por cirurgia duas semanas após a derrota do Gerdau Minas para o Sesc-Flamengo na semifinal da Superliga. O time mineiro não conseguiu segurar a vantagem após a lesão de sua jogadora e as cariocas forçaram o quinto e decisivo set. Era possível observar Júlia Kudiess jogando com lágrimas nos olhos, Thaisa totalmente desnorteada - o que era incomum para a central - e até mesmo o técnico italiano cabisbaixo, quieto. A derrota foi o menos importante naquela noite de quinta-feira e a vitória foi pouco comemorada pelas adversárias. Todas sabiam o que uma lesão poderia significar para uma atleta em ascensão.

[Atualmente]

— Vamos, estrela.- a voz masculina chamou antes de dar dois toques com os nós dos dedos na porta do quarto da garota.— A Sheilla já me ligou e disse que vai ficar com você durante a fisioterapia.

Alberto se desdobrava para cuidar das duas filhas depois da partida precoce de sua esposa, mãe das meninas. Desde então eram os três contra o mundo. O homem teve que se recriar, aprendeu a cozinhar, a limpar banheiros e fazer penteados nas filhas. Aprendeu também matemática para ajudar nos deveres de casa de Alexia quando ela era mais nova e a jogar vôlei para treinar a filha caçula, Luiza. Alberto era, sem dúvidas, a maior referência que suas filhas tinham em vida.

— Hoje eu não legal.- murmurou a garota, sem ao menos tentar levantar da cama.— Remarca com a Bruninha e pede desculpa pra Sheilla, pai.

O homem suspirou, abaixando os ombros largos. Coçou a barba por fazer enquanto se aproximava da cama de sua filha a passos calmos, adentrando o quarto. Ele sabia que não se tratava tanto de incômodo físico naquela altura da recuperação de Luiza, mas sim de medo. Por vezes, assistia apreensivo a garota chorar baixinho quando tentava subir um degrau com as muletas, mesmo sabendo que ela conseguiria fazer aquele movimento sem o auxílio dos apoios.

— Minha menina...- ele começou, atraindo os olhos cor de mel da mais nova. Levou a destra até o topo da cabeça de Luiza, afundando os dedos nos fios acastanhados em um carinho acolhedor.— Estamos juntos nessa, lembra?

Ele disse a frase que escutou Alexia dizer para a irmã no dia que souberam da morte de sua mãe. Era um lema da família. "Estamos juntos nessa" significa para além de um "eu te amo", era a segurança de ter um abraço-casa para repousar quando as coisas ficavam difíceis.

Luiza entortou os lábios em um meio sorriso cúmplice, permitindo que seus olhos úmidos fossem fitados por seu pai. As orbes num tom claro de castanho transmitiam toda a angústia que poderia caber em uma incerteza, em uma tentativa. Afinal, era isso que ela tinha que fazer: tentar mais uma vez.

— Hoje a nova ponteira vai se apresentar.- confessou mais um dos seus receios. Estava sendo substituída e não tinha nada que poderia fazer.— Ela vai jogar no meu lugar...

— Por enquanto.- frisou Alberto, tentando animar a atleta ao oferecer um sorriso otimista.— Vocês podem jogar juntas assim que se recuperar... Quem sabe essa menina não vira uma amiga que vai ajudar o time até você voltar?

Até você voltar. As palavras do pai reverberavam pela cabeça da mais nova durante todo o caminho até o Minas Tênis Clube. Ela precisava conhecer quem ficaria no seu lugar até que voltasse as quadras... Porque ela voltaria.

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