Bastante em Comum

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Luiza olhou pela quarta vez o relógio digital na mesa da psicóloga e repetiu o mesmo gesto de soltar o ar pela boca, impaciente. Seu incômodo era perceptível demais para que a profissional não notasse os sinais evidentes de alguém com pressa. O corpo desajustado na poltrona,- que costumava ser grande para a maioria dos pacientes, mas que com ela deixava metade das pernas para fora -, as mãos inquietas tateando o tecido revestido do assento, os olhos buscando qualquer alvo que não fossem os olhos da psicóloga.

— Acho que podemos encerrar por hoje.

O som de alívio escapou entre os lábios de Luiza, mas ela logo notou a indelicadeza que cometeu. Deu um sorriso sem graça, saltou para fora da poltrona num impulso só e, sem saber como proceder depois da primeira consulta, estendeu a mão em um aperto de despedida.

— Te encontro na próxima quinta.- avisou a mulher, aceitando a saudação e apertando a mão da atleta.

— Vou ter que falar com a minha fisioterapeuta e...

— Já está resolvido.- ela aniquilou qualquer desculpa que provavelmente ouviria de Luiza.— Acertamos os seus horários direitinho pra ter tempo pra ela e pra mim.

Paula sorriu satisfeita, mesmo que tivesse percebido o visível estranhamento da ponteira na primeira consulta. Bruna, a fisioterapeuta do Minas, havia lhe avisado que Luiza tentaria fugir, mas que era imprescindível que iniciasse o tratamento. Uma vez que Luiza concordou em passar na psicóloga, Bruna entendeu como um aval para agendar consultas semanais.

— Até quinta, doutora Paula.

O ar de fora do consultório parecia mais respirável que dentro dele e Luiza encheu os pulmões, suspirando lentamente depois. Ela resistiu a ideia da terapia durante anos, era como se estivesse admitindo que não poderia lidar com os próprios traumas sozinha e precisava de uma estranha para ajudá-la. A ignorância acerca da saúde mental também circulava entre os atletas, reforçando estigmas e criando cada vez mais resistência. A sorte da ponteira foi ter toda a paciência de Bruna Melato desmistificando o acompanhamento psicológico para ela e, uma semana depois, lá estava Luiza no consultório.

Nessa semana que passou, ela não faltou a fisioterapia um só dia e também não encontrou Bianca pelos corredores do Minas Tênis Clube. Saiu para tomar açaí com Julia, pegou caronas com Sheilla e Gattaz, alternando entre os modelos de carro que ela queria andar em cada dia, e começou um diário de humor - ordem de Bruna Melato com respaldo da psicóloga recém-conhecida. As folhas de papel acessavam Luiza a cada nova palavra que ela anotava como poucas pessoas haviam feito na vida e era reconfortante poder escrever sem a pretensão de ser lida algum dia.


[Mensagem de texto — senhora capitã]

"Sua carona chegou. Tô te esperando aqui fora ;)"


Os devaneios foram espantados pelo toque do celular vibrando no bolso do moletom cinza que vestia. Ela leu e revirou os olhos para os símbolos formando emojis que Carol - e provavelmente só ela no mundo - ainda usava. Bloqueou a tela, deu um sorriso contido de despedida para a recepcionista do consultório e saiu porta afora.

Não foi difícil encontrar o carro de Carol estacionado em frente ao jardim de entrada. O clima ameno que fazia em Belo Horizonte permitiu que a mulher usasse um de seus óculos escuros de aparência peculiar e uma jaqueta jeans com as mangas dobradas.

— Fica a vontade, senhorita.- desejou Carol, simulando o seu melhor tom formal assim que Luiza adentrou o carro.— A temperatura do ar está do seu agrado?

— Está sim.- respondeu, erguendo a cabeça na tentativa de manter uma expressão esnobe.— Não tem balinhas no suporte detrás, como quer cinco estrelas na avaliação desse jeito?

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