— Todas prontas?- o italiano estava no centro da quadra com as mãos na cintura, passeando os olhos sobre as suas comandadas.— Un gruppo per il servizio e un altro per il passaggio.
Ele separou dois grupos, um ficaria responsável por sacar e o outro receberia a bola com o objetivo de entregar na mão de uma das duas levantadoras que ocupavam cada uma um lado da rede. No meio da arquibancada, Luiza assistia o treino das companheiras. Algumas meninas haviam chamado a ponteira para sentar-se com a comissão técnica, mas ela negou todas as investidas e permaneceu junto a uma das muletas que carregava por hábito.
— Ó, saque viagem.- Kisy anunciou antes de lançar a bola no ar. Ela fez a corrida de aproximação velozmente e golpeou a bola com a mão canhota. A parábola do movimento durou menos do que deveria, parando no meio da rede.— Droga.
A oposta bufou, soltando o ar pesadamente pelos lábios entreabertos. Nicola Negro bateu uma palma em seu gesto habitual de chamar a equipe, cobrando atenção no treino que iniciava displicente. A temporada começaria na próxima semana, por isso a comissão técnica tinha o enorme trabalho de manter as atletas focadas já no primeiro jogo, mas não estava sendo fácil.
— Porra.- Thaisa xingou, acompanhando com os olhos a bola atravessar toda a quadra e cair na área azul depois de sacar.— Caralho.
Luiza estava incomodada assistindo a sequência de erros. A posição de telespectadora colocava-na numa condição de julgamento, como se sacar dentro das linhas fosse tão fácil quanto respirar ou bater numa bola. Quando o técnico italiano aproximou-se de Thaisa para trocar algumas palavras, um par de olhos azuis escuros fitaram o seu rosto de longe. Ela podia sentir a atenção de Bianca ser direcionada para a sua presença na arquibancada e acabou cedendo, olhando-na de volta. Elas não conversaram desde o episódio no bar, apenas trocavam olhares nos corredores, mas o clima estranhamente parecia de paz entre elas.
O encontro cromático do âmbar e azul durou poucos - e intensos - instantes.
— Benne, tomem uma água e voltaremos em uma hora.- Nicola ordenou, comprimiu os lábios finos em uma reta e acenou com a cabeça.— Sem atrasos.
Depois de algumas temporadas a frente do clube mineiro, o italiano havia aprendido a lidar com o time e dosava o destempero de uma personalidade enérgica com o bom senso de saber a hora de dar uma pausa. As jogadoras suspiraram aliviadas, saindo das posições que estavam. Thaisa sentou-se no banco a beira da quadra para afrouxar a proteção que usava na perna, já Gattaz correu até a mochila na primeira fileira da arquibancada a procura do celular, algumas atletas saíram da quadra e outras sentaram no tapete emborrachado.
Bianca pegou uma bola qualquer para acompanhá-la enquanto caminhava até a arquibancada. Luiza estreitou os olhos, espremendo as pálpebras numa expressão acusatória, na direção da ponteira. De súbito, a bola foi lançada para cima de toque, deslocando a trajetória até o colo da outra ponteira, mas Luiza não se moveu.
— Não vou fazer isso. Tá tentando de boba.
Ela devolveu a bola, negando com a cabeça. Bianca subiu um degrau da arquibancada, encurtando a distância entre elas em quatro fileiras. Alguns olhos curiosos observavam a interação das duas com estranheza e divertimento, como se assistissem a uma novela.
— Uma manchete.- ela tentou mais uma vez, lançando a bola. Luiza pegou com as mãos, ignorando o pedido de manchete. Bianca tinha um sorriso capcioso nos lábios rosados de quem poderia convencer qualquer pessoa a obedecê-la.— Ó, foi quase. De novo.
— Você é insistence, né?- a pergunta retórica foi acompanhada de um revirar de olhos e um sorriso que ela tentava esconder. Devolveu a bola, mantendo-se impassível. Luiza era teimosa, não cederia a simpatia diplomática da carioca tão fácil.— Nu! Não tem base.O sotaque mineiro arrancou uma risada de Bianca. Ela amava o clima da cidade, as comidas, cheiros e sabores, mas o sotaque era - sem qualquer dúvida - a parte que mais a encantava.
— Ah, eu sou sim.- afirmou, sem perder o sorriso em nenhum momento. Ela lançou a bola no ar e começou a fazer manchetes, controlando com maestria os movimentos de subida e descida da bola sem sair do lugar. Luiza não conseguia desviar a atenção dela.— Se não fizer vou espalhar pra todas as meninas da base que você é a única ponteira passadora que não sabe fazer manchete.
De novo, ela revirou os olhos. Embora soubesse que era uma provocação boba de uma garota boba, Luiza sentia falta de treinar com bola e das tentativas de aproximação de Bianca. Sacudiu a cabeça, recobrando a consciência para voltar a ter noção de si.
— Não tem nada mais legal pra fazer, não? Tipo lavar a fantasia do mascote, arrumar os pesos da fisioterapia ou sei lá.- listou, ganhando apenas um levantar de ombros e mais um sorriso em resposta.
— Eu tô legal aqui, mas obrigada pela preocupação.- Bianca parou o movimento com a bola para encarar o rosto de Luiza. As pintinhas sutis abaixo da linha dos olhos não estavam escondidas por uma camada de maquiagem como de costume e Bianca notou.—Valendo um sorvete agora.
A ameaça da bola vindo em sua direção fez Luiza bufar, soltando todo o ar dos pulmões pelos lábios.
— Não vai desistir, né?
— Um sorvete com calda da sua preferência.- dobrou a aposta, certa de que a mais nova só precisava de uma motivação para ceder.
Em poucas semanas de convivência, Bianca tentava ler Luiza e descobriu que a teimosia dela competia com a rivalidade que havia criado na própria mente por causa da titularidade no time. Ela não concordava, mas aceitaria usar isso para impulsionar a recuperação da ponteira se fosse necessário.
A bola veio na direção de Luiza novamente e dessa vez ela posicionou os braços a frente do corpo, ainda sentada, e recebeu a bola de manchete. Seu coração solavancou no peito e ela sorriu num misto de nervosismo e alívio. Não lembrava quando havia sido a última vez que recepcionou uma bola de vôlei, por mais tola que tivesse sido aquela brincadeira com Bianca.
— Pronto, insuportável.- falou rápido, tentando acalmar a reação eufórica que um simples toque na bola havia causado dentro de si.
— Acho que pode fazer melhor que isso.
Rezende disfarçava a felicidade que sentia ao ver a garota abrir aquele sorriso puro com uma provocação leve. Não sabia o motivo, mas a recuperação de Luiza mexia com ela. Thaisa e Gattaz estavam incrédulas uma ao lado da outra, assistindo atônitas a cena na arquibancada.
— E eu acho que meu sorvete vai ser de menta com calda de chocolate.- retrucou, esboçando um sorriso com a língua presa entre os dedos brancos e alinhados.
— Mas a manchete pode melhorar.- Bianca insistiu, ponderando com a cabeça enquanto os olhos passeavam ora pelo rosto de Luiza, ora pelas mãos dela tateando a bola.
— Você falou manchete em troca de sorvete, não pediu um passe perfeito.- o argumentou arrancou uma risada de Bianca.
— Ah, tá jogando a lei do mínimo esforço.
Lei do mínimo esforço. A filosofia de conquistar o mesmo resultado tendo a metade do desgaste era um mito entre os atletas acostumados com os discursos motivacionais.
— Exatamente e consegui um sorvete com ela, provando que preguiçosos podem sim vencer.
Era sutil, um brilho genuíno ganhava a iris acastanhada de Luiza, como se trouxesse um lampejo de esperança. Bianca, aos poucos e pacientemente, adentrava a vida da atleta mais nova.
— Você ganhou hoje, mas só porque sou uma mulher de palavra.- falou, esboçando um repuxar de lábios que tirou Luiza da inércia.
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Ainda tem alguém por aí que lê essa fanfic?
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Entre Linhas
أدب الهواةEstrela do maior clube do Brasil e com uma carreira em ascensão, a jovem ponteira Luiza Martins vê o seu futuro despedaçar no instante que seu joelho toca a quadra no quarto set da semifinal do campeonato mais importante do país. A lesão torna-se um...