Entre Linhas

Conversas de corredor

— Finalmente parou de fugir da gente, criança.- verbalizou Carol Gattaz, a capitã do time, no instante que seus olhos visualizaram Luiza adentrando o prédio do Minas.— Thaisa e Julia já estavam querendo invadir a sua casa.

A mais nova deixou o corpo ser envolvido pelos braços da loira em um contato saudoso e cheio de afeto. As duas eram separadas por algumas gerações de diferença, Luiza era uma das mais novas do time e Gattaz a mais velha, mas isso pouco importava. Antes de apartar o abraço, Carol deixou um beijo no topo da cabeça da menina e se afastou para olhar seu rosto.

— Voltou a princesa.- Thaisa surgiu abruptamente atrás das duas jogadoras, acompanhada de Julia.

A central olímpica jamais passaria despercebida, sua presença era tão marcante quanto um furacão de alta escala. Os quase dois metros distribuídos em um corpo forte e bem definido abrigavam uma personalidade única. Thaisa era um espetáculo a ser assistido.

— Chegaram as ladroas.- Gattaz implicou com as amigas, arrancando uma risada de Julia. Luiza estreitou os olhos encarando as três centrais uma por uma e logo sua gargalhada preencheu o corredor que estavam.

As mulheres trocaram olhares complacentes, compartilhando da mesma felicidade genuína por ouvirem a risada da mais nova de novo. Julia encurtou a distância entre ela e Luiza, ignorando momentaneamente a muleta embaixo do braço da ponteira e envolveu-a em um abraço longo.

— Não tomei açaí enquanto você não voltava.- confessou a central mais nova para Luiza, ainda dentro do afago que trocavam.— Eles adicionaram um combo novo e estava te esperando pra gente provar juntas.

Tomar açaí todas as terças depois do treino era uma tradição entre as duas atletas. No final das tardes de terça, elas caminhavam até a loja de esquina na rua da Bahia, pediam um copo grande de açaí e cada uma escolhia três acompanhamentos. Elas dividiam entre implicâncias sobre quem comeu mais ou quem escolheu o acompanhamento mais gostoso. Julia não havia conseguido passar na frente do estabelecimento desde o dia da lesão.

— A nova novinha vai se apresentar já, já.- Thaisa atraiu a atenção das outras e deu um tapinha no ombro da Gattaz, incentivando a mulher a andar.— Você vem, Luizinha?

A ponteira franziu o nariz levemente, um sinal claro de desconforto pela informação da chegada da nova atleta. Julia aproveitou a proximidade de seus corpos e deixou um beijo estalado em sua bochecha, sorrindo de forma doce em seguida. Elas respeitavam o tempo de Luiza e do seu amadurecimento diante daquela situação. Seus dezoito anos recém-completados não permitiam que a garota tivesse serenidade e paciência. Tudo para ela parecia o fim de uma carreira promissora - e curta.

— A Bruna tá me esperando com a Sheilla.- respondeu, tentando suavizar a sua expressão com um meio sorriso.— Se a chefe chama, eu não tô maluca de desobedecer.

Ela bateu continência numa encenação boba, apoiando o peso do corpo sobre a muleta. As meninas sorriram e se despediram da ponteira, mas não sem antes Julia insistir em levá-la até a fisioterapia.

— Ela já tá andando, menina.- implicou Thaísa, puxando a jovem central pelo corredor.— Tá melhor que a Gattaz que vive andando mancando pelo corredor, gente.

— Cuida da sua vida, perna biônica.- Gattaz revidou e naquele instante Julia era a mais madura entre as mulheres.— E eu não estava mancando, era só u...

O volume das vozes diminuiu a medida que as jogadoras se afastavam até não ser mais possível ouvi-las. Luiza suspirou pesadamente, sentia um misto de gratidão pelo cuidado de suas amigas e angústia. A incerteza de uma recuperação bem sucedida tirava seu sono, dominava seus pensamentos trazendo uma aflição ímpar. O vôlei havia salvado a vida da garota quando sua mãe faleceu, ela passava mais tempo nas quadras que em casa e assim as quatro linhas testemunharam a metamorfose da dor em esgotamento físico.