Sinais

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Luiza fitava o balcão do bar - era começo da madrugada. Quem a visse, tão compenetrada na figura da outra mulher trocando palavras sussurradas com a bartender, notaria o desconforto na sua expressão. Os olhos semicerrados contraindo as sobrancelhas, tal como os lábios que não se tocavam para deixar lufadas de ar quente saírem, faziam movimentos instintivos para dispersar a raiva. Não conhecia aquela sensação estranha que crescia no seu âmago e infestava seus pensamentos como um vírus nefasto.

— Tá encarando demais.- Kisy apareceu abruptamente, causando um susto em Luiza que a fez saltar na cadeira.— Disfarça um pouco.

Os músculos tensionados da ponteira relaxaram quando Kisy ocupou a cadeira ao seu lado, mas os olhos questionadores da oposta encarando os seus logo reforçaram a expectativa por uma resposta.

— Só estou pensando em qual bebida pedir.- Luiza deu de ombros, recompondo o seu estado de falsa calmaria.

— E o cardápio tá na cara da Bianca?

— Não enche, Kisy.- o tom afetado denunciava que a oposta tinha feito a leitura correta da cena que assistia. Ela suspirou, esforçou-se para desviar a atenção do bar e voltou a olhar a amiga.— A Pri já foi embora?

— Já.- Kisy assentiu, seus dedos se distraíram com a borda do copo de vidro na mesa.— Ela foi embora com a vegana, agora a Thaisa e a Carol estão escolhendo uma música pra cantarem.

— Mas elas nem beberam.- ela apontou, estranhando o comportamento.

— Foi o que eu falei pra elas.- concordou a oposta, erguendo as sobrancelhas para dar ênfase ao seu ponto.

A alguns metros da mesa que estavam, Carol e Thaisa vibravam animadas para a tela da televisão pequena enquanto liam alguns títulos de músicas. As duas loiras estavam alheias aos olhares curiosos dos frequentadores do bar e até mesmo dos funcionários que, intrigados, esperavam o consenso entre as sertanejas "Facas" ou "Sinônimos".

— Perdemos nossa carona com a Pri.- Luiza lamentou, pensando momentaneamente em como voltaria para casa.

— Meu amor tá chegando por aqui logo menos pra me buscar, a gente pode te dar carona.

A namorada de Kisy havia aproveitado a folga de três dias para visitar a capital mineira. Mesmo com a distância São Paulo - Belo Horizonte, elas procuravam  espaços na agenda para estarem juntas e não importava quanto tempo os encontros durariam. Não eram raros os momentos que Amanda dirigia por horas sem fim até Minas Gerais somente para dividir a cama com Kisy e se despedia pela manhã.

— E ser vela o caminho inteiro?- questionou Luiza, torcendo o nariz em repulsa apenas para irritar Kisy.— Prefiro voltar ajoelhada pra casa.

Usufruindo de sua maturidade, Kisy ergueu a destra, levantou o maior dedo da mão e mostrou para a amiga. Luiza gargalhou, fechando os olhos no gesto como se sorrisse com eles também. No fundo, ela apenas não queria atrapalhar a amiga e os pequenos momentos que ela tinha com Amanda.

— Vê se consegue uma carona e um drink ali no bar.- a fala provocativa foi acompanhada de um giro ágil de seu corpo para desviar do golpe que Luiza tentou desferir contra o seu braço.

— Vai se fo...

O xingamento que sucederia foi interrompido por Kisy saltando da cadeira onde estava sentada, colocando-se de pé. Ela indicou a tela do celular piscando o nome "Danielli" e um coração vermelho ao lado.

— Opa, meu amor chegou.

— Deus abençoe as solteiras.- Luiza juntou as palmas das mãos junto ao peito e olhou para o teto do recinto em um gesto de oração.

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