24 - acção de graças com meu inimigo

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Eu tive uma chance. Apenas uma chance pra poder viajar pra New Jersey e ficar perto da minha família sem qualquer inconveniência do sobrinho do meu chefe, uma chance pra poder ser eu mesma e agir como uma doida sem escutar as broncas dele. Mas por algum motivo que tem haver com o peso da minha consciência, eu decidi jogar a chance no lixo e convidar ele para passar a acção de graças comigo

Eu poderia facilmente dizer que o perdoou, dar as costas, pegar o trem e viajar. Mas não, foi só olhar para aqueles olhos brilhantes repletos de solidão e de tristeza que acabei cedendo. E o mais engraçado é que o Malcom não precisa de muito esforço pra ser adorável, o facto de ele existir e respirar já torna difícil ter que dizer não pra ele. Se minha filha sai taxativamente igual ao pai eu estou ferrada.

Eu sabia que tinha algo de errado com ele, por mais que seja difícil de admitir, eu conhecia o Malcom. Mais do que eu deveria. Ele não é de beber sabendo que no dia seguinte tem trabalho e uma reunião importante, foi inevitável não me preocupar e sentir a necessidade de poder fazer alguma coisa pra atenuar a situação.

Enfim, assim que ele vem ao me encontro, ambos entramos no trem e nos acomodamos em frente um do outro. Abro minha mochila retirando de dentro dela dois saquinhos com comida pronta

– regra número um de viagem de trem, nunca se esqueça de trazer comida

– nossa! Eu nunca saberia porque eu nunca viajei de trem — ele fala recebendo o lanche

– você é triste — dou uma mordida na minha sandes de presunto — bom... você vai adorar conhecer a minha família, só não sei se eles vão gostar de ti

– belas palavras de encorajamento, sério Julie

– uma das minhas melhores habilidades

– vamos torcer pra que você esteja errada

– eu dificilmente erro. Até porque eu falava horrores de você pra minha mãe e meus irmãos — mordo o lábio inferior receosa com a sua reação

– o quê?

– me desculpa Malcom mas foi antes de tudo isso

– nossa Julie, parabéns, eles já me odeiam antecipadamente — olho pra ele que parece preocupado demais em ser aprovado com a minha família. O que é estranho, se é alguém que conheço que pouco se importa com a opinião das outras pessoas esse alguém é o Malcom

A viagem decorreu tranquilamente e dentro de poucas horas já estávamos em New Jersey. Assim que desço do trem inspiro aquele ar tendo uma leve lembranças da minha infância e da minha adolescência toda antes de ir fazer faculdade na cidade grande. Malcom me ajuda a segurar minha mochila e caminhamos até um táxi parado, que nos levou direto até minha casa

Assim que o carro é estacionado em frente ao pequeno portão amadeirado e com pequenas letrinhas nele, meu coração é completamente preenchido de alegria. Malcom paga a corrida e de seguida descemos, meus olhos contemplam a vizinhança que por ventura, não mudou nada desde a última vez que eu estive aqui nas minhas férias de duas semanas. Trabalho tanto que mesmo minha família morando a pouco km de distância, fica difícil ter que visitá-los

Abro o portão de leve, notando o pequeno jardim da minha mãe completamente impecável e perfeito, como ela sempre fez questão de deixar. Caminho até a porta e toco na campainha, imediatamente ouço o destrancar da porta e de seguida minha prima, que foi criada pela minha mãe junto comigo e meu irmão abre a porta

– Jujuuu — ela solta um mini grito e me abraça fortemente — olha como você tá linda, parece uma menina da cidade — o sotaque do Mexico é completamente nítido no seu tom de falar — e a barriga, será que dá pra sentir ele chutando?

– ainda não — sorrio sem jeito

– estou ansiosa pra saber se vou ser tia ou tio

Mordo o lábio inferior tentando não rir enquanto sinto o Malcom se contorcer na minha trás. Minha prima sempre foi o tipo de pessoa meio distraída e as vezes fala sem pensar

– é uma menina. Cadê todo mundo?

– estão todos na sala — ela finalmente desvia sua atenção e olha para o Malcom. Seus olhos brilham — você deve ser o Marcos

– é Malcom

– Mark, muito prazer. Você é muito cheiroso hein — Malcom assente se sentindo meio desconfortável — vamos que tá todo mundo te esperando — ela adianta, seguindo o caminho até a sala de estar

– me desculpa — sussuro pra ele.

– dio mio, se não é minha nina linda  — escutar a voz da minha mãe me deixa tão feliz. Ela que estava passando roupa no canto da sala, larga tudo e vem me abraçar. Meu padrasto imediatamente larga o comando da televisão e vem logo de seguida abraçando o Malcom  — oh que saudades

– oi mãe

– você tá muito linda — meu padrasto diz

– obrigada. Eu senti muitas saudades vossas

– nós também

– ele está querendo dizer que sentiu saudades de sua comida — ela sorri e eu também — esse deve ser o...o...

– Malcom

–  encantada de conocerlo Malcom

– mãe o Malcom não fala espan...

– mucho gusto. Eres una mujer muy hermosa, ahora sé de dónde sacó Julie tanta belleza — Malcom fala normalmente me deixando surpresa por ele saber falar espanhol. Esse cara é tão habilidoso que chega a ser estressante

– oh mais que Nino lindo e educado, gracias mi amor. — ela lhe dá um abraço demorado — eu levo isso — pega na sua mochila e de seguida na minha bolsa e segue até o meu antigo quarto

– sério, quantos idiomas você fala? — pergunto olhando pra ele

– apenas 9

– apenas nove?

A porta se abre, e entra dela o meu irmão mais novo

– você não mudou nada, excepto essa barriguinha aí — meu irmão Nate se aproxima e me dá um abraço apertado, logo de seguida faz aperto de mão com o Malcom.

– vou levar isso como um elogio, cadê o meu sobrinho lindo e a sua mulher?

– eles saíram pra comprar doces, mais logo estarão aqui

– tá bem

– crianças, podem ficar a vontade — minha mãe fala voltando para a sala — eu só vou terminar de preparar o almoço. Nate por favor termina de passar a roupa pra mim

– está bem mãe

Acabo me lembrando do tanto que o Malcom ama cozinhar e surge uma ideia para poder fazer com que ele se sinta mais tranquilo e contente na minha casa

– o Malcom poderia ajudar na cozinha — digo e sinto um ligeiro olhar de repressão vindo da parte dele — ele é muito bom de cozinha, isso pra não dizer o melhor

– a Julie só está exagerando

– sério, você precisa ver o que ele faz com a vagem

– mas você odeia vagem filha

– exatamente — minha mãe se ri

– uhmm prato completo — escuto minha prima comentar, deitada no sofá e com os olhos focados na televisão

– não liga pra ela. Eu vou adorar ter a tua ajuda na cozinha.

Ele finalmente cede e me olha de uma forma como quem está dizendo que vamos conversar depois, e de seguida se retira ao lado da minha mãe

Consequência Do Nosso Ódio (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora