— Não podemos tocar uma certa música com qualquer instrumento.— Como assim?
— Quer dizer, é claro que podemos, qualquer músico pode pegar uma música e adaptá-la para o seu instrumento. A questão é que não devíamos, entende?
— Para falar a verdade, não.
— Por exemplo, aquela maravilha de música que eu amo tanto do Bach: Cello Suite Um. No violoncelo? Um estupor. Mas tente tocá-la no piano.
— Mas ainda sim fica boa.
— Ah, sim, fica. Mas… é só isso, não é? "Boa", mas não é "Cello" Suite Um. É agradável para os ouvidos, mas você não tem uma sensação de vazio? Um intervalo desconfortável entre as notas, um sentimento de que aquilo está errado?
— Talvez… Tem razão, no piano parece…
— Sem alma?
— Sim, na verdade.
— E o que acontece se eu não tiver um violoncelo?
— Como?
— É, eu gosto muito dessa música, mas não tenho um violoncelo. Até penso em ter um, mas a ideia de não conseguir aprender a tocar sempre me afasta. Mas e a música? Aí só me resta tocar no piano…
— Mas parece errado.
— Exatamente.
— Aham… Acho que estou entendendo…
— Pois é…
— …
— …
— Você não está falando de música, está?
— De jeito nenhum.
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Carta aberta para toda história que talvez eu nunca escreva
PoetryPalavras são peças de um dos jogos mais elegantes e excitantes que há. Quantas frases posso formar? Quantas subversões sou capaz de criar? Palavras são um vício, e vício leva à perdição, e perdição leva à catástrofe, e catástrofe só pode acabar em t...