Capítulo 1

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Londres, 1830
Tinha que escapar

O ruído do sofisticado bate-papo, o brilho dos candelabros de cristal que salpicavam de cera quente os que dançavam no salão, e a profusão de aromas que anunciava a iminência de um suculento jantar pareciam cansativos a lady Anastasia Steele.

Tinha sido um engano assistir a um ato social tão pouco tempo após a morte de George. Naturalmente, a maioria das pessoas não consideraria três anos como pouco tempo. Anastasia tinha mantido o luto rigoroso durante um ano e um dia, não se aventurando fora de casa, apenas para passear pelo jardim com sua filhinha Lisa. Vestindo-se sempre de preto, e cobrindo o cabelo e o rosto com véus que simbolizavam a separação de seu marido e do mundo invisível. Tinha tomado a maior parte de suas refeições sozinha, marcado todos os espelhos da casa com braçadeira de luto preto e escrito cartas em papel com orla preta, para que toda relação com o mundo exterior levasse o selo de sua dor.

Durante o segundo ano, tinha seguido vestindo-se de preto, mas havia se desfeito do véu protetor. Logo, durante o terceiro ano, Anastasia tinha passado ao meio luto, o que lhe tinha permitido usar cinza ou malva, e participar de atividades femininas reduzidas e discretas, como reuniões de chá com familiares ou amigas.

Uma vez finalizadas todas as etapas do luto, Anastasia tinha deixado seu refugio reconfortante do período luto para introduzir-se em um esplendoroso mundo social, que havia se tornado terrivelmente estranho. Certo, os rostos e o ambiente eram exatamente como os recordava... Exceto que George já não estava mais com ela. Parecia-lhe que sua solidão chamava a atenção, incomodava-lhe sua nova identidade de viúva de George.

Como todos, sempre tinha considerado as viúvas figuras sombrias, dignas de lástima, mulheres que foram envoltas em um trágico manto invisível, independentemente de como se vestissem. Nestes momentos compreendia por que tantas viúvas que assistiam a atos como aquele pareciam querer estar em alguma outro lugar. Conhecidos a abordavam lhe expressando sua condolência, ofereciam-lhe uma taça de ponche ou umas palavras de consolo, e partiam dissimulando seu alívio, como se tivessem cumprido seu dever social e por fim estivessem livres para desfrutar do baile. A própria Anastasia tinha agido assim com outras viúvas no passado, desejando ser amável, mas sem querer que a desolação que lhes refletia nos olhos a afetasse.

Curiosamente, Anastasia não tinha imaginado que pudesse sentir-se isolada entre tantas pessoas. O espaço vazio que havia a seu lado, onde deveria ter estado George, parecia-lhe dolorosamente tangível. De forma inesperada, sentiu algo semelhante à vergonha, como se tivesse irrompido em um lugar o que não pertencia. Ela era a metade de algo que em um tempo tinha estado completo. Sua presença no baile só lhe servia para recordar a perda de um homem profundamente amado.

Notava os rostos tensos e frios enquanto se dirigia sem afastar-se da parede para a porta do salão. A doce melodia que tocavam os músicos não a tinha conseguido animar, ao contrário do que suas amigas lhe tinham sugerido de boa fé... mais parecia que a música ria dela.

Houve um tempo em que Anastasia teria dançado tão despreocupada e disposta como as jovens presentes naquela noite, com a sensação de que voava nos braços de George. Parecia que haviam sido feitos um para o outro, e isso tinha suscitado comentários e sorrisos de admiração. Ela e George tinham um físico similar. A pequena estatura de Anastasia harmonizava com a média dele. Embora George não fosse alto, estava em muito boa forma e era muito elegante, com o cabelo castanho dourado, olhos azuis muito vivos e um sorriso deslumbrante sempre a ponto de aparecer. Adorava rir, dançar, falar.

Nenhum baile, festa ou jantar jamais tinha sido completo sem ele.

—OH, George - Anastasia notou que os olhos lhe ardiam —Que afortunada fui de te ter. Que afortunados fomos todos. Mas como vou seguir adiante sem ti?

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