Capitulo 10

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Até aquela noite, Miguel nunca provou qualquer bebida alcoólica, então, num primeiro instante, pensou ter tomado veneno invés de Vodka. O cheiro era nojento, o sabor era horrível e ele nunca saberia explicar o quanto aquilo queimou em sua garganta e nas bochechas mastigadas.

Engasgou no primeiro gole e respingou vodka sobre os lençóis da própria cama. Correu até a janela e a escancarou para não vomitar no chão do quarto. Pendeu metade do corpo para fora da janela e vomitou uma torrente de pizza e coca-cola.

Continuou ali por mais um tempo, pegando ar fresco, enquanto a cabeça esquentava, como se o cérebro ameaçasse derreter pelo nariz. Arlete, uma velha tão curiosa quanto era corcunda, passeava com um cachorro magricela. Até olhou para cima, encontrou Miguel ofegando para fora da janela, mas notou de quem eram os engasgos e logo seguiu andando ligeiro.

Desta forma que os vizinhos costumavam lhe tratar depois da morte de sua mãe. "Oh, aquele é...? Sim! É o filho de Louis e Marin. Finja que não está vendo, olhe só como o céu está lindo hoje!". O pai de Miguel tinha arrumado problemas dos grandes por conta do luto que nunca passou e se transformou em tequila; isso repercutiu na forma em que os vizinhos enxergavam o filho também.

Como alguém pode beber essa coisa? Pensou Miguel, observando a garrafa sob a luz da lua que invadia o quarto. Ele saboreou o gosto terrível, o ardor em suas bochechas e agora também em sua língua.

Vai-se-foder. Pensou, jogou a cabeça para trás e bebeu mais um gole, bem maior que o primeiro. Esse foi tão terrível quanto o anterior, talvez todos fossem assim, mas desta vez ele sabia o que esperar, então segurou firme.

Cinco minutos depois a garrafa rolou vazia para debaixo de sua cama, Miguel sentado ao chão com as pernas estiradas, observou enquanto ela desaparecia para a escuridão. Pensou que, se estivesse em um filme de terror, haveria algo ali no escuro, debaixo da cama, e a coisa jogaria a garrafa de volta para ele.

Mas a garrafa nunca voltou.

Ele levantou e foi até a janela, nada mais parecia com o mundo em que ele esteve nos últimos anos. Algumas cores estavam mais fortes, as ruas pareciam ondular aos seus olhos, o vento que agitava as folhas na copa das árvores era muito mais interessante; e o melhor de tudo, sua dor tinha sumido quase por completo.

Miguel se sentiu livre por um momento, sentiu que mais ninguém tinha controle sobre ele, sentiu que podia fazer qualquer coisa. Se fosse lá fora e arrumasse uma nova briga, dessa vez ele ganharia. Se encontrasse Z, lhe pediria um beijo. Se encontrasse um bar, lhe deixariam entrar e beber; eles o chamariam de senhor, mesmo com apenas dezesseis.

Aquele sentimento durou apenas um instante, mas talvez tenha sido o responsável pela decisão seguinte. Miguel não pensou muito, apenas entrou em uma camisa larga, calçou seus tênis e voltou para a janela. Abaixo dos umbrais erguia-se um telhado com um metro e meio de largura, sustentado por pilastras distribuídas ao redor da varanda abaixo. Miguel odiava o design antigo da fachada de sua casa, mas era ele quem permitiria que a fuga noturna fosse simples.

Ele saltou para fora do quarto. Os tênis abafaram o som da curta queda sobre o telhado. Miguel sentiu algo gosmento sob os tênis, só então percebeu ter saltando sobre o próprio vômito. Deslizou quando começou descer,— o que chamou de: a escalada reversa — tomando apoio nos lambrequins com as mãos e em uma pilastra com as pernas.

Vacilou por um instante, olhando para baixo e vendo o chão se aproximar como um caminhão prestes a lhe atropelar. Ele se apavorou e largou os apoios. Os tênis lisos de vômito deslizaram, então ele caiu, reproduzindo um som oco da colisão contra o chão da varanda. Mas não esperou para ver se aquele barulho acordou o seu pai, apenas correu.

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