Capítulo 19

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O dia da grande corrida chegou e o coração de Miguel ameaçava escapar do peito e subir até a garganta.

As últimas semanas de treino e o roubo em que se envolveu teriam de valer a pena. Não apenas por conta do prêmio de mil pratas para o aluno vencedor, mas pela medalha de ouro, pelo título de número um, por toda a atenção que iria receber. E principalmente, para ver a cara de Sant, enquanto ele sente o que é perder, talvez pela primeira vez na vida.

Miguel estava preso em um daqueles dias em que você quer que o tempo passe rápido e as horas parecem se arrastar. As aulas foram longas e cansativas; em todas elas a mente de Miguel estava longe. Sua cabeça estava rolando na pista de corrida.

Por fim, quando chegou a hora de recolher seus materiais, seguir para o vestiário e se preparar para a corrida, Miguel desejou ter mais um pouco de tempo. Estava ansioso, trêmulo, sentia medo e confiança ao mesmo tempo. Talvez essa fosse a causa daquela estranha sensação de frio na barriga.

Miguel chegou ao vestiário que já comportava duas dezenas de atletas, trocando seus uniformes por roupas esportivas. Ele jogou a mochila para dentro do armário. Arrancou as calças jeans e vestiu um short preto; trocou o uniforme por uma camiseta branca bem maior que o seu tamanho. Estava sentado num dos bancos de madeira que dividiam as fileiras de armários, amarrando o cadarço de seus Nike Air de sola gasta e flancos encardidos que já não voltavam mais à cor original.

Miguel sentiu a parte de trás de suas coxas suadas escorregando no banco, só então percebeu que até sua testa brilhava por conta do suor.

Sant passou por ele pela primeira vez naquele dia

— Está nervoso, Miguel?

Ele tinha acabado de sair do chuveiro e não vestia nada além de uma toalha ao redor da cintura. Gotículas de água escorriam entre as divisões de seu abdômen, o cabelo loiro úmido foi penteado para trás.

— Não muito. Ansioso é o nome. — disse Miguel, com esforço para sua voz não falhar entre as palavras. — E você?

Sant sorriu dramaticamente.

— Confiante, hoje mais que nunca. — disse ele, passou alguns segundos encarando com uma expressão sombria em seu rosto. Depois disso, Sant seguiu em direção ao seu armário sem dizer mais nada.

Miguel se odiou no mesmo instante por ter admitido sua ansiedade, enquanto Sant ainda parecia inabalável. E claro que toda a sua autoestima foi o suficiente para ele puxar a toalha ali mesmo. Não importava se estavam todos vendo a sua bunda, não, tinha aquelas costas definidas, as curvas acentuadas e o bronze que deixava sua pele dourada.

Miguel voltou a olhar os próprios pés, mas a imagem das costas nuas de Sant duraram mais alguns segundos em sua mente, então Miguel sacudiu a cabeça numa tentativa vã de tirá-lo de lá.

Por fim ele prendeu bem seus cadarços e foi para a porta de saída do vestiário, que dava acesso direto à quadra de esportes e à pista de corrida. Ele se posicionou contra o sol e respirou fundo, deixando seus poros se encherem de luz do sol antes de começar a se alongar.

Ao lado das arquibancadas, estava erguido um palanque improvisado com ripas e caixotes, havia também um longo cartaz onde estava escrito: "A grande corrida de Primavera". No palanque estava posicionado um pedestal com um microfone prateado na ponta, aos lados do palanque haviam duas caixas de som de um metro e meio.

Enquanto girava a cabeça em sentido anti-horário, Miguel estalou o pescoço. O próximo som que ouviu foi a voz de Max logo atrás de sua orelha, tirando sua concentração do alongamento.

— Você viu o que o Sant fez? — disse ele.

Miguel se virou para Max, que estava de pé sobre o primeiro banco da arquibancada, se esticando sobre o parapeito para conversar com o amigo. Max usava óculos escuros de armação circular e vestia uma camisa branca onde ele mesmo escreveu "Miguel é o número um" com algumas tintas de tecido na aula de artes.

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