Capítulo 20

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Os minutos se arrastam em um leito de hospital, em especial quando se tem uma agulha enfiada em suas juntas para que o sangue receba soro e suas mãos estão engessadas, te impedindo de usar o celular ou ler um livro qualquer.

Miguel se encontrava contando quantos segundos eram necessários para esvaziar os pulmões, encarando um relógio redondo no alto da parede à frente de seu leito. Ele podia jurar que, de todos os relógios do mundo, aquele era o mais lento; quem sabe até poderia provar ser fato a sua teoria de que o ponteiro levava dois segundos para marcar apenas um.

Dias estranhamente longos, era tudo o que Miguel tinha naquele local silencioso, mesmo havendo tanto barulho dentro de sua cabeça: O som dos assobios, dos pés batendo com força contra o chão da arquibancada, o som estridente do técnico ao microfone dizendo "em suas posições!". O som de seus tênis raspando contra a pista de corrida, e logo depois vinha o som da queda e de seus ossos partindo em estalos.

Miguel partiu as duas mãos em quatro quando caiu. Bem, era isso ou teria afundado o nariz para dentro do rosto. O doutor Tomás disse que seu maior erro foi cair com as laterais das mãos contra o chão, mas não tinha sido mesmo um erro. Tudo foi tão rápido que ele sequer pôde mudar a posição em que suas mãos ficavam enquanto corria antes de atingir o chão. Ele apenas caiu.

E agora estava ali, estirado sobre o leito, coberto por lençóis azuis e uma fronha carrasquenta que envolvia um travesseiro rígido. Suas mãos engessadas eram a pior parte, havia quase uma semana e Miguel mal conseguia se lembrar do que era mover os dedos para digitar no celular, escrever em um caderno, ou lavar ele mesmo a própria bunda.

Miguel esteve por cinco dias e noites na UTI, ala onde apenas os pacientes fodidos ficavam e sequer podiam receber visitas extrafamiliares. As enfermeiras fizeram questão de deixar isso bem claro quando Max tentou invadir a UTI para ver o amigo. Miguel disse às enfermeiras que a única pessoa que restou em sua família nunca largaria a bebida para visitá-lo, mas que seu melhor amigo veio e isso deveria ser o suficiente.

— Sinto muito — era tudo que qualquer uma das mulheres de jaleco azul e máscara branca tinha a dizer, antes de sair do quarto sem olhar para Miguel e suas mãos tortas.

Na noite anterior, Miguel recebeu a visita do doutor Tomás, logo após deixar a UTI e se instalar em quarto maior, mais iluminado e espaçoso, em que o tempo passava ainda mais devagar que o anterior, porque neste não havia TV.

— Não vai demorar tanto, Miguel — disse o doutor Tomás, afagando o cabelo de Miguel como quem faz carinho na cabeça de um cachorro. — Em quatro ou seis semanas poderei te dar alta. Mas, vou ser sincero com você. As suas mãos nunca mais serão as mesmas. Mesmo depois da fisioterapia, alguns movimentos ainda serão dolorosos, e alguns vão doer para sempre, mas tenho certeza de que irá superar isso, não vai?

A mente de Miguel estacionou quando Thomás disse "suas mãos nunca mais serão as mesmas". Se ele queria mesmo acalmar o paciente, estava fazendo da forma errada. Um turbilhão de pensamentos inundou a mente de Miguel.

Ele costumava rever o momento em que Larissa puxou o seu cadarço, com aquela sombra no olhar. Queria ter visto a cara dela ao notar o que sua trapaça tinha causado, ao ver os ossos expostos nas mãos dele, ao ver todo sangue escorrendo sobre a pista de corrida, que talvez ainda estivesse coberta de respingos vermelhos neste instante.

O que ela pensou ao ver as mãos de Miguel retorcidas como uma árvore de longos galhos sem folhas? Os ossos finos do metacarpo saltando das costas da mão, quase unindo o mindinho ao polegar, o sangue que guinchava formando linhas finas em formatos de relâmpagos nos antebraços trêmulos de dor; o que Larissa pensava disso?

Miguel, com certeza queria ver o rosto de Larissa quando ele voltasse para a escola com as mãos inteiras. Pensamentos como aquele, direcionados a uma diversidade de pessoas, martelavam na cabeça de Miguel desde a primeira noite em claro naquele leito sem janelas, com cores que não remetiam Miguel a nada além da morte. Ele não conseguia parar de pensar em como aquele quarto da UTI ficaria se sua mão sangrasse em guinchos novamente; respingando o vermelho sobre aquelas paredes sem cor.

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