Já era noite quando Miguel chegou em casa; as janelas e a varanda estavam escuras como se aquela fosse uma casa abandonada. Na sala, Louis continuava na porcaria de seu sofá, com olhos entreabertos que até poderiam causar dúvidas a respeito de ele estar ou não dormindo, mas o ronco estrondoso que fazia ao respirar o entregava. A TV ressonava baixinho, nela era reproduzido um jornal local de baixo orçamento.
Ele não sente dor nas costas? Se perguntou Miguel, analisando a posição em que seu pai estava deitado, contorcido, com as pernas para fora do sofá e o peito quase virado para o encosto. Miguel, por outro lado, estava repleto de dores e com o corpo tão molenga que podia facilmente ser confundido com alguém que foi atropelado por um caminhão; sua mente estava longe, anuviada. No chão, ao lado do sofá em que Louis se contorcia, estava uma garrafa de vodka pela metade. Quando Miguel notou-a ali, engoliu em seco e pensou duas vezes.
Alguns minutos mais tarde, ele estava sentado na cama, entornando o restante da Vodka. Sentia um estranho peso na consciência, e não apenas porque era provável que tinha matado um homem há pouco tempo, Miguel pensava era na forma em que contaria para Max que quebrou a promessa de nunca mais beber bebida alcoólica alguma... Ainda que aquela fosse "uma ocasião especial", como diria Z.
Que tudo aquilo fosse à merda! Pensaria em promessas mais tarde. Sua mente estava cheia de merda e ele precisava esvaziá-la de alguma forma; mesmo que fosse vomitando até as tripas na manhã seguinte. Quando a vodka chegou ao fim, Miguel se jogou para trás, caindo de braços abertos sobre seus travesseiros. O teto girava e seus pensamentos o imitavam, se embaralhando em um turbilhão de cenas e vozes que ele escutara o dia inteiro. Ele pensou que a Vodka esvaziaria a sua mente, mas o que ela fez foi trazer tudo de volta.
Miguel encarou o Rio Taciturno por quase dez minutos em silêncio, procurando por Sant, mesmo que por um pedacinho dele. O rio continuava a correr, mas em momento nenhum foi tingido de sangue. Era como se Sant nunca tivesse caído.
Ele discou o número de Z com dedos trêmulos. Ela atendeu no segundo toque.
— Miguel? — sibilou ela do outro lado da linha — Oh, Miguel, graças a Deus! Onde você está? Você está bem? E o Sant?
— Me encontre na Zona M. — disse Miguel e foi apenas isso antes de desligar.
Estava prestes a telefonar para Max, mas o amigo ligou para ele antes, a fim de completar a ligação que Miguel evitou por estar prestes a entrar em um embate mortal contra Sant.
— Alô? Miguel, caralho! Pensei que estivesse morto! — berrava Max — O Panard está indo para casa, recolha as coisas e fuja com a ruiva! Repito: O velho está indo para casa!
— Max, me escuta — interrompeu Miguel. Max fez silêncio do outro lado, não era sempre que se ouvia Miguel em um tom cortante como aquele. — Me encontra na Zona M, beleza?
— O quê? Mas o que você quer fazer no...
— Zona M, agora! — E desligou em seguida.
Miguel devolveu o celular ao bolso de sua jeans. Estava no alto do bosque, no pico dos suicídios, relembrando a queda de Sant, se perguntando aonde o maldito filho da mãe poderia ter ido já que não havia nem sinal dele no água. Com os olhos ardidos de tanto apanhar, Miguel deu uma última olhada no Rio Taciturno, nas pedras pontiagudas, e sentiu uma vertigem nauseante, então decidiu que era melhor se afastar para não acabar caindo também.
Max e Z não deviam estar distantes dali, então logo Miguel pode escutar estalos ao ritmo de passos se aproximando. Quando Z o viu, quase deu um sobressalto de alívio, seguido por uma cara de espanto ao ver o rosto esmagado de Miguel.
— Você está bem? — disse ela, erguendo a ponta dos dedos para acariciar o rosto de Miguel, mas desistindo no meio do caminho. — Está doendo muito?
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Soturno
Mystery / ThrillerMiguel e Z estão ferrados. Quando o Ex-Namorado de Z volta dos mortos para assombra-los, ela e Miguel buscam a ajuda de um duvidoso médium, na tentativa de se livrar do fantasma. Sangue nas mãos: - Qual o envolvimento de Miguel com a morte de Sant...