Capitulo 2

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2011 chegou com tudo e mais um pouco naquele verão.

Meteorologistas afirmavam: "Este verão será bem mais quente que a média dos últimos seis anos". E as previsões acertaram em cheio, porque os primeiros dias do ano foram tomados pelo calor mais infernal que os moradores da cidade de Rosário já haviam sentido. O calor de Janeiro se tornou detestável, mas ele chegou só depois das pancadas de chuva que dezembro trouxe consigo. Chuva densa, noites longas e frias, no que os canais meteorológicos chamaram de "Chuva de Verão".

"Termômetros de cinco capitais alcançaram os 35 graus esta tarde", disse a repórter local Helena Moraes, em um som granulado, na rádio de alguns moradores; os poucos que não estavam sintonizados na 89 FM Rádio-Rock, agitando a tarde de domingo com a voz de Adam Levine em Moves Like Jagger.

2011 trouxe o Sol de volta ao Verão, além de inaugurar a maior Vídeo-locadora-com-consoles-e-sinuca de toda a cidade de Rosário. E não apenas a maior, como também a única. Foi um marco nos domingos à tarde da cidade, porque as ruas — que antes estavam lotadas de crianças correndo com sorrisos banguelos no rosto, aparadores de grama barulhentos, rodinhas dos patins raspando contra o concreto, irrigadores de jardim farfalhando e competindo com o Tsssss dos filés de carne nas churrasqueiras — agora estavam desertas.

As crianças-crescidas mais modernas do momento alugavam filmes de terror, apostavam cartas do Yu-Gi-Oh!, agitando os dedos roliços nos controles de Playstation, enquanto concluíam as fases absurdas do novo Call of Duty.

Miguel Stano — que morava em uma das menores casas na Rua do Soturno e nunca jogou qualquer um dos Call of Duty — não era um deles. Sequer chegou a visitar a vídeo-locadora; o que viu a respeito dela foi o que estava na fachada colorida, que enxergou de relance enquanto pedalava pelo centro da cidade. Ele não podia alugar filmes ou jogos, então usava fones de ouvido que explodiam ao som de sua nova banda de rock favorita.

O verão chegou, mas ele não era mais o mesmo depois da morte da senhora Stano. Miguel ainda ficava triste com frequência, mas estava superando isso com um bom argumento: "Se não há mais nada que eu possa fazer, melhor não chorar por isso". Mas as tardes de domingo ainda eram tão difíceis de engolir quanto uma pedra.

Miguel saltou sobre a bicicleta prateada, que a qualquer outra pessoa não passava de uma sucata, reiniciou a playlist de verão daquele ano e saiu da sarjeta na frente de casa, enquanto pedalava levemente.

— Qual é o lance com essa sucata? — disse Paco uma vez. Paco era um dos garotos da escola com quem Miguel não se dava muito bem. — Isso é um lixo!

— Você não tem medo dessa merda partir ao meio com você em cima? — questionou Caio, amigo de Paco, logo em seguida.

Mas eles não entendiam merda nenhuma sobre bicicletas; como poderiam entender quando os seus pais os carregavam pela cidade dentro de carros com janelas escuras? Eles nunca saberiam qual era o lance.

Miguel gostava de sentir o vento levantar os seus cabelos enquanto descia a ladeira da Rua do Soturno, quase conseguia imaginar que estava voando. Esse era o lance com a Tina, a bicicleta, mesmo que a chamassem de sucata na escola. Ela transportava Miguel para longe e bem rápido, com pouco esforço. Sua mãe, Marin, sabia disso e esse foi um dos motivos que a fez guardar Tina por tantos anos.

— Agora que não precisa mais de rodinhas, tenho um presente para você. — disse Marin Stano, quando o levou até a garagem, anos atrás.

Marin puxou o lençol branco que cobria Tina, uma nuvem de poeira se ergueu e, enquanto espirrava uma sequência de vezes, Miguel se perguntava o motivo de nunca ter olhado o que havia debaixo daquele lençol, mesmo passando pela garagem quase todos os dias.

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