Capítulo 2

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ANASTASIA

O idiota.

O completo, total, irredimível, nada surpreendente e incessante idiota.

Eu dou um longo e profundo suspiro. O outono acabou de começar na Escócia, e um leve beijo dele esfria o ar, polindo as folhas ao longo da floresta e das árvores enfileiradas na praia. Ainda
assim, minha respiração empluma meus lábios. Puxo meu lenço e me aninho mais fundo em meu casaco de lã.

O maldito idiota.

Outra respiração, e então eu trago uma das quatro câmeras que trouxe comigo - uma Nikon velha e robusta - aos meus olhos. Além do pasto vitrificado em orvalho, uma dose significativa de pássaros de bico vermelho tingia os pinheiros e os abetos grossos e entrelaçados. Eu sei que são comuns - pesquisei antes de vir para cá - mas se eu não fotografar alguma coisa, eu vou entrar em
parafuso, despedaçar, e possivelmente, tentar ir embora.

Isso não pode acontecer.

Os pássaros cantam e gritam, mergulhando de uma árvore para outra, pousando em novos galhos. Eles voam cada vez mais alto na árvore até que haja muitos, e aí todos se espalham para o céu cinza enevoado.

Eu solto um suspiro e me acomodo entre os juncos. Fiquei surpresa ao acordar antes de Christian ele me supera em acordar cedo ou pelo menos dorme mal como eu - mas seria uma mentira dizer que eu não estava aliviada. A empregada, Gail, estava cuidando silenciosamente da imaculada casa quando saí. Ela me forçou a pegar um pedaço de pão e um cantil de chá, e agora estou aliviada por tê-lo feito.

Bebo o líquido fumegante e mordisco o pão, envolta no frio delicioso. Abaixo de mim, a cidade de Plockton aparece disposta como uma caixa de chocolates, com fileiras de casas pitorescas de
frente para a água clara, de aparência quase tropical. Aqui e ali, palmeiras dançam no vento da manhã. Tão deslocadas quanto alienígenas entre os pinheiros e abetos. Além disso, os jardins
crescidos são camélias rosadas e brilhantes.

É tão lindo que pulsa adrenalina por todo o meu corpo - seguida imediatamente por raiva. Meu pai - meu autoritário, manipulador e incomovível pai - sabia que podia me prender neste lugar. Eu
sempre quis ir para a Escócia. Explorar a terra de onde meus antepassados e os dele vieram. Tendo acabado de terminar a faculdade, parecia perfeito, predestinado, algum tipo de presente
cósmico estranho enviado pelos meios não-tão -perfeitos de meu pai.

Eu ficaria com um amigo da família, ele disse. E eu - idiota,ingênua - acreditei nele quando ele disse que esse amigo era da família, não dos negócios.

O idiota.

Ainda assim, raivas costumam sair de mim tão rápido quanto vêm. Sei agora, como sabia ontem à noite, que não posso ficar aqui. Este sonho não é mais do que apenas isso, e vai acabar mais cedo do que eu gostaria. Nunca concordei com a vida que meu pai leva. Nunca concordei com violência, corrupção, dinheiro e mais violência. Não é para o que nasci, mas isso não me poupou disso.

Você está em perigo.

Eu acaricio a câmera no meu colo preguiçosamente, ouvindo essas palavras tão claramente quanto da primeira vez que ele as
disse, em uma ligação depois de quatro anos, com sua voz surpreendentemente áspera e terna.

Eu sei que não mereço você, Ana. Eu sei disso. Mas você merece minha proteção.

Por que confiei nele? Por que eu sempre volto para ele?

Porque eu quero que ele seja melhor. Porque, no fundo, talvez eu seja como a mãe. Talvez, eu ache que posso consertá-lo.

Uma ave pálida, com a aparência de uma garça, plana elegante e de pescoço esticado sobre as copas das árvores, descendo entre os ramos de um abeto. Eu trago minha câmera ao olho, fotografando, apenas com a minha respiração, o vento e o clique, clique, clique como companhia.

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