16 - Café da Manhã

10 0 0
                                    


Já era final da manhã quando Brithil finalmente conseguiu abrir os olhos, sentindo o fungar suave de um focinho enorme molhando sua testa. A sensação era desagradável e aconchegante ao mesmo tempo, não se parecia com nada que ela pudesse comparar.

- Pensei que você não tinha sobrevivido a noite.

Brithil sentou-se, ainda sentindo o sono pesar sobre seu corpo todo. Esticou as pernas suavemente, permitindo que o calor que emanava das chamas da fogueira aquecessem seus pés gelados.

- É preciso muito mais do que uma camada de neve para cobrir alguém como eu.

O urso, sentado nas patas traseiras, empurrou com sua pata dianteira um graveto sobre um peixe assando nas brasas.

- E o que significa "alguém como você"? 

As palavras pareciam mais atrevidas e amedrontadoras na voz grave e profunda do urso, e isso fez com que seu nariz se torcer de forma involuntária. O urso mexeu outra vez, e notou que o salmão se desmanchava sob a força do graveto na pele.

- Por que você decidiu voltar? - Brithil mexeu os dedos dos pés sob as botas, tentando se certificar de que conseguiria sentir cada um deles - Pensei que não te veria mais depois de você ter tentado me devorar.

- Te devorar? - ele riu, e parecia uma gargalhada ainda mais debochada naquela voz profunda, que fez o nariz dela torcer outra vez. - Por que acha isso?

Brithil se levantou, limpando a neve do seu cobertor de pele de urso negro, mas ele pareceu não se importar. Ela começou a arrumar a mochila, procurando algo que pudesse tirar ela daquela conversa estranha com um animal.

- Por que acha que eu ia te devorar? - o urso insistiu. 

Ela amarrou o cobertor e o prendeu no alto da sua mochila. Depois vestiu sua capa e arrumou as botas. 

- Você não é muito de conversar.

- É uma característica de alguém como eu. - Ela bufou, sentindo as palavras doerem na garganta.

Depois girou nos calcanhares e começou a caminhar na direção do rio. Mal deu dois passos e sentiu sua capa ser puxada para trás gentilmente. Olhou por cima dos ombros e constatou um urso castanho-escuro enorme mordendo suavemente a ponta da sua capa, olhando para ela com olhos brilhantes.

- O que você quer de mim?

- Eu fiz comida.

Foi uma resposta tão sincera que ela ficou sem reação. Ele gentilmente puxou outra vez a capa dela, e Brithil se deu por vencida, sentando outra vez onde estava. Então o urso voltou também para onde estava, e ficou olhando atentamente para ela, esperando seu movimento. Brithil abriu sua mochila puxando o lençol devagar, e abrindo na sua frente. Ela notou aquele focinho negro enorme começar a farejar com curiosidade, enquanto ela olhava o pão e o pote de compota de amora.

- Ouvi dizer que ursos gostam de doces. - Ela pegou um pedaço do pão, e inclinando o pote, colocou um pouco da compota.

O urso se aproximou suavemente e começou a cheirar o pão, lambendo bem suavemente, permitindo que sua língua grande e quente tocasse na pele dela.

- Acho que este urso gosta de doces. - Ela riu, enquanto sentia ele pegar o pedaço com os dentes e se sentar em seu lugar, fazendo muito barulho ao comer.

O urso voltou a cheirar ela, fazendo ela rir com as cócegas que as fungadas quentes proporcionavam. Depois, ele voltou a se sentar em seu lugar, e observou enquanto ela temperava o salmão com o pequeno pote de sal da sua mochila. Não era o melhor salmão que ela já havia provado, mas não iria se arriscar a dizer isso para o urso que o preparou, mesmo que ele estivesse feliz.

Fantasma - Uma lenda da florestaOnde histórias criam vida. Descubra agora