9 - Urso castanho-escuro

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- O que eu vou lhe ensinar hoje é uma maneira mais primitiva de pescar... - Brithil falou.

Era pouco mais de nove horas da manhã. O sol brilhava forte no céu, mas o ar frio o inverno era mais resistente que todo o calor que ele pudesse irradiar. Cada dia estava ficando mais gelado que o anterior, a neve não demoraria a chegar. Naquela manhã, Vicky, o pequeno amigo da moça, chegou empolgado na cabana. Queria aprender algo novo.

- Thil, - ele chamou, tentando acompanhar os passos apressados da moça - o que quer dizer "primitivo"?

Brithil caminhava junto com ele em direção ao rio. Carregava seu cesto de palha trançada para colocar os peixes, e duas lanças compridas.

- Primitivo significa antigo. De um tempo muito distante, quando as pessoas ainda não tinham redes. - ela explicou​ - E eu já disse para não me chamar assim, milorde.

- Me desculpa. - o menino respondeu.

Eles chegaram na beira do rio. A moça fixou seu cesto nos seixos próximos da água, e subiu em uma pedra alta ali próxima. Vicky se equilibrou, subindo em uma pedra menor, imitando empolgado a sua amiga.

- Essa técnica é um pouco mais difícil do que pegar os peixes que saltam. - a moça continuou a explicar - E exige mais atenção também.

Brithil fez uma pausa, e entregou uma das lanças ao pequeno.

- Agora, eu quero que você feche os olhos. - ela falou. - Não pense em nada. Se concentre ao seu redor. O que você ouve?

O menino fechou seus olhinhos com força. Tentou limpar a mente, e focar só no barulho da floresta.

- Eu ouço... Uns canários cantando... - ele tentou descrever - O vento... O rio correndo...

- Concentre-se mais um pouquinho. - Brithil segurou firme as duas lanças, e caminhou em sua pedra, aproximando-se do garoto.

O menino fechou os olhos ainda mais apertado, na tentativa de se concentrar ainda mais. De repente, ele ouviu a água farfalhar de uma maneira diferente. Era muito suave, quase imperceptível. Ele tentou focar apenas nesse som.

- Tem alguma coisa na água. - ele sussurrou.

- Abra os olhos devagar. - a moça instruiu.

Ele olhou apressado para a água na sua frente. Tentava identificar na água o objeto que fazia o barulho suave. Era difícil​, a correnteza não permitia ele enxergar direito. De repente, ele viu um borrão escuro se mexer na água. Brithil também viu, e lhe entregou a lança.

- Agora, com cuidado, tente pegar ele.

Os olhinhos azuis do garoto tinham as pupilas muito dilatadas, pareciam olhos de gato. Ele jogou a lança na água com força, e logo em seguida puxou. Um belo arenque se debatia na ponta.

Naquele dia eles pegaram menos peixes do que com a rede, mas Brithil se sentia orgulhosa. Ela poderia esfregar na cara daqueles jovenzinhos presunçosos que um garotinho podia fazer o que eles não conseguiam.

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O sol já desaparecia no horizonte quando Brithil, trazendo lenha para dentro de casa, avistou ao longe uma movimentação perto do rio. Ela terminou o que estava fazendo e foi conferir. Eram os homens retornando depois de duas semanas. Todos traziam semblantes tristes, frustrados e cansados, inclusive os rapazes. Conforme a pequena caravana passava, ela sentia um aperto no coração. Havia sido tão ruim assim?

Dois pares de homens passaram carregando cervos adultos, presos pelas patas em grandes pedaços resistentes de madeira. Quatro cervos. Alguns com o pescoço lacerado.

"Aquele urso pegou todos nós desprevenidos..." ela ouviu alguns rapazes conversando.
"Não tinha como os chefes da vila saberem dele mesmo?"
"Não sei. Só sei que parecia que o urso estava caçando. Mas mesmo para um urso perto da hibernação, quatro cervos é muita coisa."
"Parecia que ele não caçava para si mesmo... Aliás, estava bem tranquilo com nossa presença. Pelo menos até o Peder atirar nele!"

O rapaz ouviu seu nome, e ficou muito zangado. "Não me culpe! Era um urso, e poderia nos atacar! Só tentei nos proteger!"

"Bah, você só ficou com medo," um dos rapazes retrucou, "ainda mais quando o urso olhou diretamente pra gente! Só que ele nos ignorou! Nem atacou! Pelo menos até você atirar nele!"

Brithil correu até os rapazes. Eles pareceram cansados, confusos e frustrados demais para se irritarem com a presença dela.

- Alguém se feriu? - ela perguntou.

- Não, - um dos rapazes respondeu - acho que o urso não estava com fome. Ele só rugiu e depois desapareceu na floresta. É muito estranho, um urso caçar quatro cervos e não comer nenhum. E nem a gente.

- O que será que deu nele? Quer dizer, ursos não caçam por diversão. - outro dos moços continuou - Será que ele estava enlouquecendo?

- Se fosse isso, ele teria nos atacado também. Grande, castanho-escuro, aquele urso poderia ter acabado com todos nós! - Peder suspirou.

O mestre Monroe chamou os rapazes, e todos retornaram para a vila guardar os cervos no açougue. Brithil pensava, enquanto os via se afastar. Urso castanho-escuro. Caçando sem comer as presas. Não atacando humanos. Com certeza era o mesmo urso. Mas por que ele estava caçando para a vila?

Fantasma - Uma lenda da florestaOnde histórias criam vida. Descubra agora