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LUCAS NARRANDO

"Yeah, saia na janela já
Encare o outro lado da moeda
Saia dessa maldita caverna
Entendemos que a vida
Ainda é tão bela"

(Cynthia Luz)

Hoje mais cedo eu fiquei sabendo que Maurício, meu parceiro desde moleque estava de volta. Por isso, dei uma passada na casa da tia Maria pra gente bater um papo, afinal, faz tempo pra cacete que ele foi embora.

De cara eu fiquei com o pé atrás de encontrar a loirinha por lá. Não estava afim de bater de frente com ela, e principalmente se ela viesse falar alguma merda comigo. Então assim que bateram pra mim que ela tinha saído eu fui.

— Um bom filho a casa torna... — Me aproximo dele que estava entrando pelo portão, e Maurício para ao ouvir a minha voz se virando na minha direção com um sorriso.

— Caralho, quanto tempo. — Me abraça dando uns tapas nas minhas costas.

— Porra, nem fala...

Ficamos conversando um tempo, e combinamos fazer um churrasco qualquer dia desses.

Ele comentou comigo sobre a amiga da irmã dele que está passando um tempo na casa deles, que era até gente boa, mas a casa estava apertada pra caralho. Não sei se ele jogou verde sabendo que eu tinha engravidado a tal garota, ou se só comentou por comentar, mas isso me mostrou que não dá pra ficar empurrando com a barriga. Preciso dar um jeito nisso logo.

Meu radinho começa a tocar.

"CHEFE, A TROPA DO PL ESTÁ QUERENDO INVADIR"

Com isso o tiroteio começa.

"SEGURA AÍ PORRA, ELES NÃO VÃO SUBIR." — respondo já indo ao encontro deles sem nem me despedir do meu parceiro.

Ao contrário de mim, o comédia não parece se importar se tem criança ou inocente na rua, e vem com tudo mesmo assim.

Atravesso o fuzil no peito e quando estou me preparando para atirar vejo uma cabeça loira, que logo reconheço, vendo-a totalmente desesperada abaixada ao lado de um carro.

— Tá fazendo o que aqui? — Praticamente grito chegando mais perto dela. — Quer morrer?

— Por favor, me tira daqui. — Ela está chorando e tremendo.

"GB PORRA, VOU TER QUE DAR UM PULO NO ESCONDERIJO, SEGURA AS PONTAS AÍ." — falo no radinho.

— Bora, vem. — Falo pra ela que ainda demora um pouco para se levantar.

Quando ela está de pé o vidro da frente do carro onde ela estava se protegendo se quebra, atingido por uma bala fazendo-a gritar.

— ANDA CARALHO! — Grito para ela que vem assustada.

Nós vamos até o esconderijo que é perto da boca. Ela está chorando de medo e isso está me deixando agoniado.

— Não sai daqui até eu voltar, escutou?

— Não! — Sua voz me faz parar os passos quando estou saindo. — Se alguém entrar aqui?

— Ninguém vai entrar aqui.

— T... tá bom. — Sua resposta é cortada pelo soluço.

EDUARDA NARRANDO

O interior da casa — que é praticamente apenas um cômodo — é silencioso, o completo oposto do que acontece lá fora. Meu nariz coça um pouco pela quantidade de poeira que há ali.

Estou sentada no chão entre alguns caixotes espalhados pelo local. Tento respirar fundo e cessar as lágrimas insistentes, mas o esforço parece ser completamente inválido. Cerro os punhos buscando conter a tremedeira, mas ela também parece insistente demais. Abraço minhas pernas apoiando minha cabeça em meus joelhos e permaneço ali, por alguns minutos, e talvez até horas.

O barulho dos tiros finalmente termina, e eu permaneço ali assim como Lucas tinha dito para fazer, torcendo para que ele realmente viesse. Talvez esquecesse de mim, o que não duvidaria, ou até estivesse morto, não sei...

Mesmo estando com raiva do que ele disse na última vez que nos encontramos eu não desejaria isso de maneira alguma.

Quando ouço a porta abrir, eu sinto uma espécie de alívio. Pelo menos ele não morreu... Seus passos estão cada vez mais próximo, sinto quando ele se senta ao meu lado.

— Relaxa, já acabou.

— Eu quero ir embora, não quero morar aqui. — Sei que meu tom soou desesperado ao dar voz ao pensamento que permeou minha cabeça durante o tempo em que estive ali. Viver esse medo não é pra mim...

— Calma! — Ouço-o dizer. Essa palavra me fez ter ainda mais vontade de chorar. — Tenta pelo menos. Isso deve fazer mal ao neném. — Sua voz soa estranha quando diz o último, mas mal ou bem ele estava certo. Tinha que pensar mais no meu filho ou filha.

Respiro fundo e solto. Repeti isso incontáveis vezes até me acalmar um pouco enquanto ele me observava. Ficamos um bom tempo assim até ele quebrar o silêncio.

— Você vai mesmo ter esse filho? — Ele questiona.

— Nada vai me convencer do contrário. — Digo de uma vez por medo que ele tente me convencer, ou até obrigar, a fazer algo que eu não queira.

— É mesmo meu? — A pergunta é incômoda de ouvir.

— Zero dúvidas quanto a isso. — Ele solta um suspiro e eu foco meu olhar em seus olhos, preocupada com o que virá pela frente.

— Eu tô ligado que você não vai poder ficar lá na tia Maria. — Ah, cacete... —Então você vai ficar lá em casa até eu arrumar um lugar pra você ficar.

Que? Não vou morar com ele de jeito nenhum.

— Não. — Respondo imediatamente.

— E o que você pensa em fazer então? — Eu não tenho ideia, então não respondo. — Você não tem muitas opções. Ou fica na casa da Milena sem poder, casa cheia, com pessoas que não tem coragem de te pedir pra sair. Você também pode simplesmente sair e ir para debaixo da ponte.

— Eu não quero. — Resmungo.

— Mas vai! Maurício hoje falou comigo que está uma merda de tão apertado dentro de casa. Se você está lá é minha culpa também, então não tem muito o que querer.

Não tem muito o que querer. Não tem muito o que querer.

Essa última frase ficou se repetindo na minha cabeça. Tentei equilibrar emoção e razão pra tomar a decisão menos pior possível.

Se eu agir como realmente sinto, nunca vou aceitar isso, e se for um pouco racional, vou pensar na possibilidade. Eu não quero de jeito nenhum viver embaixo do mesmo teto que esse cara, mas também não tenho o direito de fazer com o que Mi, seu irmão e tia Maria percam a liberdade deles e fiquem desconfortáveis dentro da própria casa.

Eu só queria explodir.

— Vai hoje ou amanhã? — Lucas me apressa me fazendo sair do transe.

— Se depender da minha vontade, nunca. — Ele revira os olhos e se levanta. — Só que não posso ficar na tia Maria. Eu vou arrumar um emprego e me viro.

— Hoje ou amanhã? — Insiste pausadamente. — Pode apostar que não estou feliz com isso, mas é a porra de um saco ouvir alguém falando que a casa está apertada por que você está lá e eu tenho minha parcela de culpa.

Puta que pariu. Eu realmente não posso incomodar, eles me receberam bem e tudo, mas realmente está apertado. Se estou nessa situação é por minha culpa e desse cara na minha frente, que mesmo que de maneira torta está tentando fazer alguma coisa.

— Tá. — A palavra sai quase sem som da minha boca, mas ele parece ter escutado.

Vejo-o coçar a nuca parecendo tão perdido quanto eu.

— Então... é isso. Essa semana ainda mando descolar uma casa. Tá resolvido, então vambora.

Ele toma a frente e nós saímos do lugar.

Sigo sozinha até a casa de Milena sentindo o vento frio soprar no meu rosto.

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⏰ Última atualização: Sep 17, 2023 ⏰

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