2. O suficiente

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POV REBECCA

Eu observava Freen deslizar com maestria pelo palco, em passos sincronizados com os das dançarinas atrás de si. A música levemente agitada ecoava pelo ambiente, tendo como destaque a voz doce de Freen. Ela ensaiava sua coreografia com uma facilidade adquirida pelos  anos de experiência com aqueles tipos de apresentação. Freen sempre teve um bom controle sobre seu corpo e o tempo e a prática só haviam feito com que ela desenvolvesse ainda mais essa habilidade.

Eu a admirava por trás dos meus óculos escuros, com um sorriso simples em meu rosto. O meu ensaio já havia sido concluído e eu, diferente dela, tinha pouca dança em minhas apresentações, porque nem mesmo o tempo foi capaz de desendurecer meus movimentos desajeitados. E eu estava bem com isso. Freen seria sempre a que encantaria os fãs com seus movimentos singelos, porém sensuais. No meu caso, os fãs de maneira geral, pareciam responder mais quando eu assumia a minha personalidade mais esportiva e despojada. Era um contraste que acabamos adotando durante os anos de carreia, não só porque funcionava em questão de marketing, mas porque correspondia com as nossas personalidades.

Freen era fada, princesa, maternal e gentil. Sua feminilidade cada dia mais aparente e desenvolvida. No espaço seguro da minha mente, podia admitir que os anos só faziam Freen se tornar a mulher mais adorável do mundo.

Eu, no entanto, havia adotado ainda mais as minhas raízes ocidentais, me vestindo mais despojadamente. Preferia os conjuntos de terninhos aos vestidos longos. Aos poucos troquei a minha imagem da boneca cor de rosa criada pro personagem de Mon, para algo que refletisse mais a minha própria personalidade. Eu ainda era afeiçoada as coisas fofas, como os ursinhos carinhosos e as minhas manias de gatinho manhoso, mas esses agora só faziam parte da minha personalidade, não me definiam.

Eu me dividia entre prestar completa atenção aos movimentos de Freen no palco e aos meus pensamentos viajantes, quando a coreografia enfim terminou. Os olhos de Freen me buscaram, quando ela terminou a dança na pose correta. Eu podia ver seu peito subindo e descendo, mostrando sua respiração descompassada pela atividade física e vi o momento certo que seus olhos me encontraram no conjunto de assentos da platéia, porque um sorriso delicado adornou seu rosto bonito.

Freen agradeceu as dançarinas que compartilhavam o palco com ela, antes de se encaminhar a lateral do palco e descer as escadas que a trariam até onde eu estava. Eu observava os seus passos em minha direção e me aproveitava daquela rotina agradável de ter toda a sua atenção em mim mais uma vez, agora que o ensaio havia se encerrado pelo dia. Eu sempre desfrutaria daqueles momentos. Ser o centro de atenção de Freen, mesmo que por instantes de cada vez, era a melhor sensação do mundo.

Quando ela chegou ao meu lado, eu instintivamente lhe ofereci sua toalha, assim como uma garrafa de água. Ela prontamente tomou os objetos da minha mão, me sorrindo em agradecimento, passando a toalha pelo seu pescoço, enquanto se sentava ao meu lado com um suspiro cansado saindo de seus lábios.

"Você estava maravilhosa," elogiei tranquilamente, segurando a garrafa que estava em sua mão e usando minha outra mão para abrí-la, já que ela ainda tinha sua outra mão ocupada com a toalha.

"Obrigada, bb," ela disse se referindo ao elogio e a ajuda. 

Não respondi, apenas deitei minha cabeça de lado no encosto da cadeira que eu ocupava e a observei tomar a água delicadamente da garrafa, enquanto mantinha minha atenção na pequena gota de suor que escorria pela lateral do seu pescoço. Não de maneira incomum, senti meu corpo responder ativamente à minha atração pela mulher a minha frente. A gota de suor deslizava pelo seu pescoço esguio e pele delicada e não era a primeira e nem seria a última vez que eu desejaria percorrer aquele mesmo caminho. Não era algo que eu admitiria em voz alta, afinal não era necessário. E muito menos seria algo que eu tentaria realmente fazer, mas eu me sentia bem em ao menos poder ser honesta comigo mesma.

Freen virou-se em minha direção e seus olhos atentos percorreram por toda a feição do meu rosto e, mesmo sem poder ver meus olhos além das lentes escuras que os cobriam, eu sabia que ela compreendia exatamente o que se passava em minha mente. Uma risada baixa saiu de seus lábios e ela levou sua mão, agora livre da toalha, até sua palma encaixar na minha bochecha, em um carinho comum.

"O seu ensaio também foi maravilhoso," ela disse, relaxando um pouco mais em seu assento, continuando seu carinho gentil meu rosto. "Eu amo a sua voz nessa música nova," continuou, em uma voz mais suave, transformando aquela conversa em um diálogo mais pessoal e íntimo.

Fechei meus olhos para apreciar ainda mais seu toque e e levei minha mão até o seu pulso, deslizando meu dedão por aquela região, retribuindo seu carinho. Aqueles eram os meus momentos favoritos.

Ele não durou muito, no entanto, porque logo fomos chamadas por alguém da equipe, nos avisando que já estávamos liberadas para ir para casa e que o nosso carro nos esperava. Suspirei levemente frustrada com a interrupção e Freen apenas negou com a cabeça, rindo levemente da minha expressão.

"Vem, vamos. Segunda o ensaio continua," ela disse tentando me consolar e conseguindo. Um sorriso voltou ao meu rosto enquanto eu a segui pelo espaço, pensando no outro dia. Eu havia aprendido a viver assim, um momento de cada vez. Segunda teríamos mais. Eu sempre podia contar com o próximo dia de trabalho.

"O que vai fazer esse final de semana?" Perguntei enquanto pegávamos as nossas bolsas no camarim antes de irmos até a van. O silêncio de Freen me fez encará-la e vi quando ela evitou me encarar e entendi sua resposta, perdendo o sorriso que ainda me acompanhava desde antes de levantarmos da nossa posição anterior.

"Nada demais," ela respondeu finalmente, mas sua voz estava mais fraca e eu já havia entendido antes mesmo das palavras saírem da sua boca. "E você?" perguntou, dessa vez me olhando no rosto. Eu, no entanto, tentava focar minha atenção nas coisas que arrumava a minha frente.

"Provavelmente vou passar com meus pais e o Bonbon," respondi simplesmente. Aquela era uma dança familiar entre nós duas.

Sabíamos exatamente que assunto falar e que assunto evitar. Não era fácil, ainda mais quando tivemos que criar esses hábitos sem conversar diretamente sobre aquilo. Era apenas a maneira como havíamos criado para lidar com as coisas. Um limite claro de informações que sabíamos uma sobre a outra, mas que não compartilhávamos diretamente. Um acordo mútuo de que certos assuntos não tinham espaço no nosso momento juntas, esses eram apenas nossos.

A conversa desconfortável logo foi deixada para trás, sendo substituída por conversas sobre o ensaio e risadas leves. Fomos o caminho até a casa de Freen, a primeira parada da van, de maneira relaxada e muito nossa, compartilhando da intimidade e tranquilidade que havíamos criado juntas. Ela se despediu de mim com um beijo estalado no rosto e um desejo de descanso, assim como um pedido para mandar lembranças aos meus pais e um beijo em Bonbon.

"Bom final de semana, babe. Tenha um bom descanso," respondi ao seus desejos.

Diferentemente dela, no entanto, não entrei em detalhes sobre seus planos, porque a verdade era, que eu preferia nem pensar nisso. E foi assim, mentindo mais uma vez pra mim mesma, que fui até em casa, ainda sentido o toque suave dos lábios de Freen em meu rosto. Tentando acreditar que meu coração não quebrava mais um pouco com a nossa despedida. Fingindo que saber que voltaríamos a nossa bolha particular na segunda era o suficiente. Afinal tinha que ser o suficiente.

E era, não era?

Notas da autora:

Bom dia, bebês! Como estamos?

Confesso que ainda estou estruturando essa história na minha cabeça, mas escrever ela está sendo tão natural e fácil, que apenas quero ir me deixando levar.

Tenham paciência com a história e comigo. Hahhaah. 

Espero que gostem e até o próximo!

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