6. Mudanças

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POV BECKY

Passamos o dia ensaiando nossas partes no show que aconteceria naquela sexta-feira. O show envolvia atuação, músicas e danças, assim como tinha sido o nosso primeiro fanboom. Era algo que os fãs gostavam e a gente costumava se divertir muito preparando, mesmo que fosse cansativo. Dessa vez parecia ainda mais cansativo que o normal, porque era como se os acontecimentos do início da tarde tivessem me tirado do jogo. Eu fazia tudo no automático. E apesar de sentir os olhares preocupados sobre mim, deixei estar. Quando chegasse a hora, na frente dos fãs, eu daria o meu melhor. Eu tinha o direito de ter um dia ruim.

"Tem algo que eu eu possa fazer?" Freen falou do nada, atrás de mim, me tirando dos meus próprios pensamentos.

Estávamos dando um pequeno intervalo antes de voltar aos ensaios que terminariam as 19h. Eu estava mais uma vez sentada na plateia enquanto ela ensaiava a sua apresentação musical, mas dessa vez eu não a observava. Eu tinha os meus fones de ouvido tocando um podcast qualquer, enquanto meus olhos estavam fechados, tentando me perder nas palavras recitadas.

A voz de Freen e o seu toque, em seguida, em meu ombro, me fizeram abrir meus olhos.

Algo em mim agradeceu que ela não me perguntou se estava tudo bem. Acho que ela queria tanto quanto eu evitar as mentiras entre a gente. A gente sempre fingindo não saber que omitir também é mentir.

Eu deixei meus olhos passearem pelas suas feições, sem tentar respondê-la. Observei com atenção cada detalhe do seu rosto, aquele que eu conhecia tão bem, em detalhes tão precisos, que eu poderia escrever poemas sobre cada tracejado dele. Cada linha, cada contorno, que tornava perfeito aquele conjunto.

Na minha busca, a qual eu não sabia o que eu procurava, me peguei pensando na expressão sombria que havia tomado o rosto de Freen quando me viu mais cedo. Em como o seu sorriso desapareceu automaticamente quando seus olhos caíram sobre mim. Aquele mesmo sentimento anterior ameaçou tomar conta de mim, mas ali, com seus olhos fazendo sua própria análise em meu rosto, eu me sentia menos impotente. E da forma mais bizarra possível, eu me sentia mais forte só de estar em sua presença.

"O seu sorriso morreu," foi o que escapou dos meus lábios. Falei em um tom tão baixo que não teria me ouvido se não tivesse abandonado os dois lados do meu fone sobre o meu colo.

"Como?" ela perguntou, parecendo genuinamente confusa, parando a sua exploração pelo meu rosto para voltar a me encarar nos olhos.

"Quando você me viu mais cedo, o seu sorriso morreu em seu rosto," repeti agora com mais detalhes. Eu mantinha um tom de voz neutro, não era um tom de acusação e nem de questionamento. Era apenas uma afirmação.

A sua expressão confusa morfou para diversos sentimentos distintos no decorrer de segundos, e por mais que eu a conhecesse e tentasse acompanhar, foi impossível.

"Eu não sei como te responder," ela falou em seguida, com um suspiro pesado, apoiando seu quadril no braço da poltrona do outro lado do pequeno corredor, em relação ao assento que eu ocupava. Seus olhos caíram para as suas mãos, que se moviam nervosas, mexendo com o tecido da sua calça.

"Algo mudou," eu falei tentativamente. Seus olhos voltaram a buscar os meus, preocupados. "Essa não é uma conversa que podemos simplesmente deixar no não dito."

Eu podia ver que ela não concordava com aquilo.

"Já tivemos essa conversa antes," ela tentou, em um tom baixo, mas claramente desesperado. Essa era sempre sua reação quando entrávamos naquele assunto. Talvez por isso evitássemos tanto trazer ele à tona.

"Há muitos anos atrás, P'Freen," falei levando minha mão para tocar as suas, parando seus movimentos frenéticos. 

Ela balançou sua cabeça, negando.

"Nada mudou," ela afirmou, ainda com o mesmo desespero de antes. Um suspiro pesado saiu dos meus lábios e eu tirei minha mão de sobre as suas. Movimento esse que ela acompanhou atentamente com seus olhos.

Antes que eu pudesse trazer minha mão todo o caminho de volta, no entanto, eu voltei a levá-la até as suas em um movimento lento. Meus dedos seguraram sua mão direita e eu a virei, gentilmente, para que a sua palma ficasse sobre a sua coxa. Meus dedos desceram delicadamente pelo seu antebraço, até deslizar até seu dedo do meio, tocando no metal gelado que por muito tempo perturbou meus sentidos. Mas agora era diferente, eu não podia mais fingir que aquele era apenas um objeto, agora eu tinha visto com meus próprios olhos a realidade por trás dele.

"Tudo mudou," eu respondi em um suspiro.

O meu peito doeu com as minhas palavras, mas foi como se eu tirasse um peso de mim ao mesmo tempo. Poucas horas haviam se passado e eu não tinha tido exatamente um tempo correto para pensar nas coisas. Mas a verdade era que desde aquela conversa no Brasil, isso era tudo o que eu pensava. Todos os momentos que minha mente estava desocupada, ela se enchia de pensamentos de Freen, da tal promessa, do que isso significava. E nesses muitos pensamentos, eu sempre evitava pensar nela com outro alguém, mesmo que soubesse de sua existência. Era como se eu tivesse conseguido criar um bloqueio todo aquele tempo. Mas agora eu não poderia mais e eu tinha que aceitar isso.

Sua mão revirou debaixo da minha e seus dedos apertaram os meus, eu sabia que ela queria que eu lhe olhasse, que aquela era uma das formas dela me convidar para mais uma das nossas milhares conversas mudas. Mas eu estava cansada, esgotada de verdade de ter tantos diálogos por olhares. De me contentar com sentimentos não ditos.

Ali, encarando o brilho do metal no contraste do seu tom de pele levemente mais escuro que o meu, eu percebi que esse sentimento não era novo. O meu "eu te amo" tinha sido tido com todas as letras e tudo o que eu recebi em troca foram olhares desde então. E eu me contentei com isso. Aceitei cada pequeno pedaço de afeto em cada espaço de tempo que sobrava para mim, enquanto tentava não imaginar para onde esse mesmo afeto era direcionado quando eu estava longe. E de repente, aquilo não era mais o suficiente.

Os momentos roubados, as palavras não ditas, as noites em países distantes, as viagens no banco de trás das inúmeras vans, nada disso era o suficiente.

E tudo bem, havíamos tomado essa decisão juntas, mas eu não podia mais mentir que queria quebrá-la desde que meus lábios tocaram os seus pela primeira vez. E talvez desde muito antes disso.

"Nada mudou, eu ainda estou aqui do seu lado," ela sussurrou, apertando mais uma vez meus dedos entre os seus.

Dessa vez eu subi meus olhos para encararem os seus.

"E se isso não for mais o suficiente?" 

Eu não esqueceria tão cedo o misto de dor e choque que se formou em seu rosto, mas não tivemos tempo de continuar a conversa, pois logo nos chamaram para voltar ao ensaio. E assim o fizemos, cada uma presa em seus próprios pensamentos. Pode-se dizer que o restante da tarde não rendeu muito, por isso fomos liberadas mais cedo.

Freen tentou contato, mas eu evitei. Dessa vez não fiquei esperando ansiosamente para saber se ela me acompanharia no banco de trás ou se sentaria na frente com a staff, eu decidi me sentar no pequeno espaço do banco que estava praticamente todo ocupado por bolsas e equipamentos e voltei a colocar meus fones de ouvido e fechar meus olhos. Eu ainda tinha muito o que pensar, mas naquele momento, a minha única certeza era que não queria ninguém ao meu lado.

Notas da autora:

Eitxa. Hahahhaha.

Esse capítulo fluiu mais rápido do que eu achei que fluiria. 

Não odeiem muito a Freen, lembrem que cada história tem dois lados da moeda.

A B sabe se defender e vai mostrar isso.

Espero que gostem e até o próximo!

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