14. Máscaras

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POV BECKY

Aquele final de noite passava na minha cabeça como se tivesse sido um sonho de tão surreal que foi. Eu mesma não acreditava que tinha tido coragem para falar tudo aquilo para Freen sem perder as minhas forças com a sua reação. Eu pude ver mais uma vez a dor brilhando em seus olhos e, mesmo tendo sido a pedido meu, era como uma experiência extracorpórea ver ela se afastando de mim, porque pareceu tão definitivo. E tão real.

Por isso eu desejava que fosse apenas um pesadelo.

Eu agradeci mentalmente que o próximo dia fosse um sábado de folga, pois me daria tempo o suficiente para colocar os meus pensamentos e sentimentos em ordem antes de ter que encará-la novamente.

O que mais marcava presença em meus pensamentos era a maneira como ela recebeu minhas palavras e como ela pareceu ficar em conflito antes de, finalmente, aceitar meu pedido de espaço. Pareceu que ela teve que pensar em sua resposta e eu confesso que isso me intrigava. Será que eu deveria ter deixado ela falar mais antes de cortá-la? A dúvida do que antes era uma certeza me corroía.

As suas palavras finais também não saíam da minha cabeça. Me amar mais não era tão difícil assim. Ela quis dizer o que eu acho que ela quis dizer? Não fazia sentido. Sim, é verdade que eu nunca duvidei do seu amor por mim, mas eu sabia que o seu amor era diferente do meu e, no momento, essa inconformidade fazia toda a diferença.

Confesso que não dormi quase nada durante o final de semana e até tentei distrair minha cabeça com conversas aleatórias com a Minji, mas era impossível, aquele encontro de quinze minutos tinha me desbalanceado completamente. Eu falei o que eu queria falar, mas era isso realmente o que eu queria? Eu queria mesmo que Freen cumprisse o que eu pedi e se afastasse de mim? Eu aguentaria as consequências disso?

Foi com esse temor que eu cheguei a empresa na segunda-feira. A agenda da manhã eram fotos individuais e com Freen para uma campanha publicitária que estávamos à frente. Eu me sentia agitada e receosa, pois não sabia o que esperar. Era impossível que o nosso momento atual não atrapalhasse meu trabalho e eu me odiaria se prejudicasse a carreira de Freen, afinal esse também era um dos motivos da nossa decisão há muitos anos atrás. Ela tinha o direito de não querer sua carreira prejudicada, ambas trabalhamos muito para isso, mas eu sabia com intimidade como o seu trabalho havia mudado o rumo da sua vida e de sua família e eu nunca pensaria em pôr isso em risco.

Assim que a avistei, ela estava sentada no chão com as pernas cruzadas, no canto do camarim. Em suas mãos ela tinha uma xícara de chá e fone nos ouvidos. Ela cantarolava baixo uma melodia que eu não conseguia escutar, mas seu rosto parecia sereno e bem descansado. Vê-lá bem trouxe o primeiro sorriso sincero em alguns dias para os meus lábios e uma tranquilidade em meu peito que eu sentia falta.

Seus olhos se encontraram com os meus e eu pensei que ela desviaria o olhar, mas um sorriso iluminou o seu rosto, enquanto ela tirava um dos lados do fone.

"Bom dia, N'Becky," ela me cumprimentou normalmente e eu fiquei alguns segundos sem reação, antes de finalmente conseguir respondê-la.

"Bom dia, P'Freen," falei enfim.

Pensei que ela poderia continuar a conversa, mas da mesma maneira natural que ela havia interrompido suas atividades anteriores, ela retornou para o seu mundinho particular. Fiquei alguns segundos ainda encarando sua presença, sem saber exatamente como tomar suas atitudes. Essa não parecia a Freen das semanas anteriores, mas também não era a Freen de muito antes também. De certa forma isso me amedrontava ainda mais.

Logo fomos chamadas para a maquiagem e meus olhos, inevitavelmente, acabavam buscando por Freen o tempo inteiro. Isso não era novidade alguma, mas era um pouco incoerente com as minhas decisões. Eu juro que tentava evitar, mas não conseguia. Eu poderia culpar isso pela minha curiosidade em relação à sua disposição inusitada, mas nem eu mesma acreditaria. A verdade é que eu ainda estava há anos luz do estado em que meus olhos não procuraram por ela em qualquer canto que eu estivesse.

Ela conversava com a staff e ria normalmente, como se fosse mais um dia qualquer. Meu peito ardia em conflito. Era muito bom lhe ver bem, mas era doloroso também. Eu odiei vê-la em luto nas últimas semanas, mas confesso que era ainda mais sofrido ver que já havia passado. Assim tão rápido, tão fácil como um virar de páginas.

"Nong Becky!" A voz de P'Ton me chamou como quem chama alguém pela enésima vez sem resposta e eu finalmente saí dos meus delírios para poder lhe dar atenção.

"Oi, P'Ton, me desculpe!" Pedi, me sentindo envergonhada por ter sido pega no mundo da lua.

"Tudo bem, Nong. Só queria dizer que terminamos aqui e você já pode se trocar."

Eu concordei rapidamente com a cabeça e ao olhar ao meu redor, vi que Freen já não ocupava a cadeira ao lado da minha, logo eu devia ter me perdido em pensamentos por mais tempo do que notei. Sigo apressadamente em direção ao camarim onde estavam os figurinos para a sessão de fotos e tive que apoiar o meu peso na porta para que eu não tropeçasse em meus próprios pés com a visão que encontrei.

As costas desnudas de Freen refletiam o brilho suave da lâmpada enquanto se estendiam em curvas tão delicadas e femininas que fizeram as minhas pernas bambearem.

Fechei a porta apressadamente, me dando conta de que a estava expondo sem intenção. Eu poderia culpar a pressa por ter fechado a porta com o meu corpo para dentro do camarim, mas eu não seria cínica a esse ponto.

Meus olhos desceram para o vestido semi aberto antes de subirem lentamente pelo mesmo caminho que tomaram na descida. Meu olhar encontrou o castanho profundo de Freen e minhas bochechas até ganharam um leve rubor, mas o sentimento predominante ali não era a vergonha.

Atentamente, acompanhei Freen engolir em seco e desgrudar seus olhos dos meus, se virando timidamente em minha direção. Pela primeira vez no dia, era como se eu realmente a visse. A vulnerabilidade em sua postura e feição se abriam claramente como um livro e eu entendi que era a sua vez de usar máscaras comigo.

"Você quer ajuda?" Ofereci com uma confiança desconhecida por mim, mas tão fácil com ela.

"Ok." Foi sua resposta em um fio de voz.

Dei dois passos largos em sua direção, ao mesmo tempo que ela voltava a virar de costas para mim. Aproveitei meu tempo e a nova perspectiva para me agraciar com os detalhes de sua pele, observando as pintinhas espalhadas de maneira quase artística pela região. A proximidade dos nossos corpos faziam com que seu cheiro floral tomasse conta de todos os meus sentidos e eu tive que apertar os meus olhos, enquanto fechava o seu vestido e cobria a tentação de deixar de lado todas as minhas novas certezas.

Freen se virou novamente para mim quando o vestido estava, enfim, fechado de maneira apropriada e, em seu rosto, ficava claro que a máscara já estava novamente em posição. O momento de vulnerabilidade havia passado. Pensei que era a hora de eu recolocar a minha própria máscara no lugar, ao mesmo tempo que pensava na hipocrisia que era isso. Eu havia quebrado a nossa casa de vidro para quê, afinal, se continuávamos apenas atuando uma com a outra?

Notas da autora:

Boa noite, babes. Como estamos?

Senti muito a raiva de vocês pela Freen no capítulo anterior e queria lembrá-las (quem leu) de People Change. A Freen ainda tem muito para desvendar e ser desvendada.

Espero que gostem e, como sempre, até o próximo!

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