O Reino Da Sam

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Posso dizer que observar o tudo e o todo, muitas vezes, é divertido quando se sabe onde olhar. Porque a humanidade sabe ser divertida quando ela quer ser. E, algumas vezes, nós observamos solitários, já em outras acompanhados.
Kirk saiu do reino com sua arrogância e prepotência em alta. E vimos que Sam caminhava juntamente com Mon ao seu lado para o jardim. Sam com seu vestido delicado e sua pose delicada, sempre calma. Algo tão seu, de sua característica de deusa feita para o apaziguamento, que nem a humanidade haveria de retirar de dentro dela. Ao contrário de Mon, tão desajeitada, ainda com seu arco e flechas nas costas. Aparentando estar pronta para um ataque a qualquer momento.
Haviam tantas flores, que Mon se surpreendeu com a quantidade de todas elas. Ficou observando. Amava as flores. Não era dada à delicadezas como as damas, mas sabia apreciar a beleza e o cheiro delas. E aquele era um lugar cheio de perfume e beleza.
Sam, por outro lado, já acostumada com a beleza das flores, pensava que a flor mais bela do reino havia chegado com aquele homem rude e feio. Tanto que a chamou no instante em que a viu. Precisava vê-la melhor e passar um tempo ao lado da dama de traços tão rude e tão belo. Ficou feliz por ele ter partido e deixado a bela flor. Agradecia, em seu coração, de que a flor permanecera ao seu lado, assim como todas aquelas em volta.
- Senhorita, gostarias de que lhe trouxessem algo? Perdão por não ter-lhe feito a cortesia antes. - Sam perguntou com seu jeito singelo.
- Não, obrigada, bela dama. Vossa companhia é tudo o que preciso. - Mon sorriu levemente quando viu Sam corar, o que sempre funcionava quando ela usava seu charme. - Há tantas flores... Um jardim magnífico.
- Gostamos das flores. Elas trazem alegria para o reino. O povo fica mais feliz quando há flores. Nós também o ficamos. - Sam sorriu com alegria e isso fez Mon pensar que aquela era a donzela mais linda que iria possuir, pois Sam notadamente estava interessada sem ela, ao menos, tentar muito.
- O que mais gostas, donzela? - Mon sabia que donzelas gostavam de ter atenção, pois a atenção era um passo largo até o coração e ela daria toda a atenção para Sam.
- Gosto do meu povo. Amanhã, verás como meu povo é presente em minha vida. Vossa alteza gostas de seu povo? - Sam olhou com atenção para Mon.
- Honestamente, amo as donzelas do meu reino. - Mon sorriu e Sam pensou ver certa malícia na voz da dama, porém resolveu ignorar esse fato. - Homens são pervertidos que só sabem fazer guerra.
- Os homens também são importantes para o reino. - A deusa defensora nunca deixou de habitar o peito de Sam.
- Não os vejo assim. - Mon falou com certo grau de antipatia.
- Mostrarei-lhes a importância e verás. - Sam sorria com bondade.
- Não acredites nessa possibilidade, cara donzela. Mas conte-me mais sobre vossa majestade. Quero lhe conhecer. - Mon olhou intensamente nos olhos de Sam, o que fez a donzela corar mais uma vez, deixando Mon em êxtase por saber que estava indo pelo caminho certo.
- Gosto de pudim. Vossa alteza, ao acaso, gostas de pudim? - Sorriu outra vez e aquilo fez coisas, antes inexistentes, se agitarem dentro de Mon.
- Gosto. Gostas de pão de queijo? - Mon sorriu e Sam pensou que aquela mulher deveria ser sua esposa e que já estava certa de sua escolha.
- Pão de queijo é algo divino. Quem não gosta de pão de queijo, boa pessoa não é. - Sam sorriu mais ainda e as luzes em seus olhos fez com que Mon sentisse uma pulsada no coração cheio de teias de aranha, fazendo algumas saírem do lugar.
- Os deuses nos honraram muito ao dar-nos o dom de fazer coisas tão deliciosas em nossa culinária. - Mon também sorriu e foi algo natural, não com intenção de conquista, mas de estar feliz por estar falando de algo ao qual gostava de fato.
- Não há nada nessa vida melhor do que comer. - Sam sorria tão feliz em falar um dos seus assuntos favoritos, comida.
- Dissestes palavras que eu mesma teria lhe dito, donzela. De fato, comer é a melhor coisa que já existiu. Eu amo comer. - Mon também começou a sorrir de forma nunca antes vista, pois ela amava comer... Alimentos e mulheres.
Ambas sorriram e conversaram sobre as flores, livros e danças... E os que as viam sentadas naquele lugar pensavam que seriam grandes amigas. Uma nova alegria para a vida da princesa, que precisava de uma amiga.
Nós, por outro lado, víamos as coisas como elas eram. A princesa Samanun estava radiante, isso era nítido, e mais bela do que jamais havia estado. Como se raios tão dourados, irradiassem por sua pele, iluminando tudo à sua volta. E toda a beleza de Mon estava irradiando de volta, num azul claro intenso. Essa união de irradiação, fazia parecer como se ambas fossem o sol brilhante e o céu azul. Uma completava a beleza da outra, isso era notável.
Após horas conversando, Sam e Mon foram se alimentar no jantar do palácio imperial. Mon adorou a comida do reino de Sam. Elogiou e agradeceu a hospitalidade dada, sentindo que estava num lugar que amaria voltar novamente. Ela até repetiu o prato duas vezes.
O imperador ficou muito satisfeito em ver a filha tão feliz. Aquilo era tudo o que sempre quis. Ele jamais poderia partir sem saber que a filha estava em boas mãos e feliz. Ele olharia eternamente para ela para ver se havia felicidade em seu coração, se fosse possível.
Aquele era um homem bondoso e acreditava, em seu coração, que a filha havia sido o presente dos deuses para ele por ter sido um bom imperador para seu povo. O amor que nutria pela filha amada era maior do que qualquer coisa. Era maior do que até o poder dos deuses. E isso qualquer um poderia perceber. O imperador amava a única filha.
Quando foram para seus quartos, Sam e Mon ficaram relembrando os belos momentos que passaram juntas. Ambas sorriam com alegria. Mon, jogada em sua cama, olhando para cima, ainda vestindo os sapatos. E Sam, sentada em sua penteadeira, sorrindo, enquanto ajeitava suas coisas para o dia que começaria no outro dia.
Mon havia sido quem mais surpreendeu, pois em nenhum momento pensou em sair escondido com alguma das criadas. Algo que ela faria, pois não suportava ficar sem o ato sexual. Embora ainda sentisse sensações carnais, Mon não olhara ninguém além de Sam naquelas horas todas. Ela não percebeu isso, era verdade, mas era um fato de que havia acontecido alguma coisa. Sim, o coração, lá dentro do peito, batia forte pela primeira vez na vida.
Quanto à Sam, o coração da deusa dentro do corpo feminino de mulher, a fazia sentir como se flutuasse por entre as nuvens de algodão. Como se ela possuísse os poderes aos quais havia renunciado. O sorriso ainda iluminava seu belo rosto quando finalmente dormiu.
E logo de manhã, Sam levou Mon para conhecer seu reino além dos muros do palácio imperial. Sam vestia um vestido florido e Mon vestia um vestido sem nenhuma pintura. Não gostava de nada que possuísse desenhos. Preferia, apenas, as cores mais escuras, se fosse possível usá-las.
Saíram cedo, mas não tão cedo. As pessoas já caminhavam pelas ruas com tranquilidade. Todas já estavam indo para seus afazeres do reino. Todas caminhando de forma tranquilas. Já haviam os vendedores de frutas, alimentos e objetos em suas barracas de venda. Já haviam os estabelecimentos abertos e funcionando normalmente, como o estabelecimento do ferreiro mais antigo do reino.
Mon olhou as árvores e as flores do reino, sentindo que gostava mais ainda daquele lugar. E se surpreendia cada vez que Sam falava com as pessoas da rua, sabendo o nome de cada uma delas, mesmo que fossem muitas. O que fazia tocar em seu coração o fato de ver que a princesa de outro reino era com o povo dela, o que ela nunca nem ao menos fez questão de ser com seu próprio povo.
- Princesa Sam, encontrei esta flor debaixo da árvore seca. Pode haver a possibilidade de nascer flor lá? - A menina cujo sorriso faltava um dente mostrava a bela flor amarela.
- Certamente, princesa Pil. - Sam sorriu para a menina.
- Legal! - E a menina saiu correndo, gritando pela mãe, em êxtase.
- Sempre conversas com seu povo? - Mon perguntou em um tom surpreso.
- Não conversas com o seu? - Sam sempre era singela e Mon parecia um furacão, dando um contraste entre ambas.
- Certamente que sim, vossa majestade. - Mon mentiu, não por falsidade, mas por vergonha de não ser assim.
- Então, não deverias se surpreender, certamente... Sabes que o povo fica feliz. - Sam sorriu e continuou andando.
- Surpreende-me que és sempre gentil, minha donzela. És como as belas nuvens. - Mon também sorriu, porém não percebeu o sorriso em seus lábios, nem suas últimas palavras proferidas.
- A gentileza é como a flor com a gota do orvalho pela manhã. Em que a gota gélida do orvalho não machuca a pétala delicada, mas a deixa molhada, ajudando-a a não ficar sem água, cara dama. Eu só trato o povo com o respeito que ele necessita. - Sam continuava a caminhar de forma tranquila.
- Me tratas com respeito? - Mon olhou-a com dedicado interesse.
- Certamente... - Sam continuou a sorrir levemente, o que lhe deu uma aura de perfeição que só uma deusa poderia ter.
- E além? Me tratas além? - Mon mantinha o interesse, olhando o perfil de Sam, enquanto a deusa olhava para o chão.
- Poderia dizer-lhe que sim. - Sam mantinha o olhar no chão, pois a timidez já tomava conta de seu ser.
- Dirias-me como, além? - Mon sentiu a apreensão do que a resposta daquilo poderia significar, pois ela poderia estar mesmo conquistando uma princesa bela e gentil, o que era algo que ela jamais esperaria em sua vida.
- Não consegues perceber como? - Sam olhou para Mon de tal forma que a princesa sentiu algo por dentro, como gelo na barriga.
- Não sei afirmar se vejo corretamente, minha donzela. Por isso, a pergunta. A que se refere quando me dizes ser além? - Mon sentiu a boca se secar, o que jamais sentira ao falar com qualquer mulher antes.
- Vejas melhor. Olhes com atenção e verás. Não direi mais... - Sam voltou a olhar para a frente, vendo trabalhadores nos campos de arroz, lá ao fundo. - Dissestes que homens não hão de ter importância no mundo. Veja, homens trabalham em nossas terras produzindo nosso alimento. Eles plantam, colhem e vendem. A comida chega em nossa mesa graças à eles. São necessários.
- Mulheres podem fazer o trabalho braçal, minha donzela. - Mon tinha sempre bons argumentos quanto a essas coisas.
- Sei que podem, minha dama. Porém não possuem força para carregar peso além do normal. O que os tornam necessários. - Sam contra-argumentava.
- Mulheres também podem carregar peso, minha donzela. - Mon começou a irritar-se, pois jamais admitiria tal disparate.
- Sim, minha dama, mas não são todas. As damas sabem carregar peso, porém há as damas que nasceram para ser donzelas. - Sam continuou serena.
- Há homens nascidos para serem donzelos? - Mon mudou o tom e ficou mais grosseira, não elevando a voz, porém havendo aquele tom de irritação, pois ela jamais admitiria que homens eram necessários, mesmo possuindo machismo em sua mente quanto às damas.
- Certamente que há... - Sam, mesmo percebendo a mudança em Mon, permaneceu serena, pois Samanun Anumtrakul era uma princesa calma que argumentava sem se alterar, assim como a deusa era assim.

- Quantos desses vossa majestade conheces? - Mon sorriu com certo sarcasmo.

- O cozinheiro, o jardineiro, o padeiro, o cabeleireiro... Possuem trabalhos manuais aos quais as donzelas costumam ter. Portanto, são donzelos. - Sam sorria levemente, sentindo que a raiva de Mon a deixava com certo calor e nós sabemos o que uma donzela irritada pode causar em outra donzela, desde que não seja abusivo.
- O que há de donzelo nisso? - Mon não percebia a expressão em Sam que indicava aberto interesse sexual, pois estava no pique para ganhar uma disputa.
- Vossa alteza, cozinhar e cuidar do jardim são coisas que donzelas fazem todos os dias. Foi o que eu acabei de dizer. O erro das pessoas é verem como um trabalho cheio de glamour quando são feitos por homens, mas serem vistos como uma obrigação feminina quando são feitos por mulheres. Mas são trabalhos de donzelos e donzelas, por serem simples e nada braçais. - Sam olhava Mon com calma e viu a princesa ficar calada.
- Vossa alteza tens toda a razão. - Mon admitia que ali estava alguém com argumentos e diálogo parecidos aos dela. - Não discutirei mais. Mas ainda penso que o mundo seria melhor, havendo apenas mulheres.
- Sim, seria. - Sam concordou com tranquilidade.
Ambas continuaram a caminhar pelo reino. Era um longo reino e Sam explicava para Mon que haviam várias plantações. Falou sobre como ali era apenas a parte central do reino, mas que havia a parte rural, com o povo que ela iria sempre visitar em sua carruagem para conviver e nunca deixar seu povo sem o contato com quem os governava. Explicou sobre como não existiria o reino sem o povo. E também disse sobre como era importante governar para o povo, pois um reino infeliz produzia menos.
Mon sentiu, a todo momento, como Sam era amada por seu povo. Ela até podia ver como Sam o amava de volta. Tanto que a alegria no olhar de Sam ao falar com o povo foi algo contagiante para a princesa. Ela sentia, em seu coração, que Sam era uma boa mulher e gentil. O que a deixou com o coração batendo mais forte.
Mon havia vivido a vida sendo jogada pelos cantos sem amor. Era a filha mais jovem, diante de irmãos mais velhos. Nem a mãe a amava, mesmo ela sendo uma menina, pois Mon havia nascido assim como uma tempestade, causando vendaval. E passou a jogar no sexo a falta de afeto que não recebia, conquistando damas e se sentindo querida pelas mulheres ao qual usava.
Olhando com atenção, Mon via que Sam era cercada de amor. O que causou em Mon uma certa inveja. Não inveja da que se deseja o mal, mas a inveja de se querer possuir aquilo também. Mon só não percebia que não possuía aquilo vindo de seu povo porque nunca fez questão de conhecê-lo ou de conviver com ele. Mon não percebia que, para ser amada pelo povo, primeiro deveria ir ao povo, se entregar ao povo e amar o povo. Algo que ela jamais havia feito.
Sam, por outro lado, passou a notar a reação de Mon ao seu comportamento diante de seu povo, percebendo que Mon estranhava e até se admirava o que ela fazia. O que a fez ter certeza de que Mon não tinha o costume de chegar perto de seu povo.
Portanto, significava que Mon havia mentido para ela. Sam passou a pensar se essa mentira mostrava que Mon não era alguém de confiança ou se era apenas uma donzela que não fora criada próxima ao povo.
E Sam observaria isso até o dia que levaria Mon de volta ao reino da princesa. Ela observaria Mon com a devida atenção. Pois gostar de Mon até ali, não a impedia de ser esperta. Ela não se casaria com uma pessoa que poderia ser ruim para seu reino ou para seu povo. Mesmo se fosse uma mulher, ela não deixaria.

Wildest Dreams (REPOSTAGEM REVISADA E MELHORADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora