Maegum II - Estranha Magia

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Os pássaros se alvoroçaram entre as árvores, uma sinfonia melódica. O sol já não era o suficiente para se esquentar. O dia do equinócio de outono estava majestoso, como sua dona, a deusa Poderosa. O sol e a lua coroavam o firmamento. A colheita se aproximava, era hora de fazer as preces aos deuses, para o frio não destruir os campos, antes de estarem maduros.

Maegum passava pelos grandes portões de Akena, um corredor de arcos talhados esmeradamente. Haviam cinco rastrilhos que se abriam um de cada vez, uma sequência perfeitamente segura. A muralha de pedra se estendia ao redor de quase toda a cidade, não a cobrindo apenas na parte em que a cidade chegava na beira das falésias que davam para o mar profundo, não era alta, mesmo assim nenhum andarilho atravessaria. Porém, Maegum sabia que havia coisas piores que andarilhos no mundo.

"Como você" disse uma voz ao seu ouvido "assassino".

Maegum se virou para ver de onde viera a voz. Ficou paralisado, olhando o campo lá fora por entre as barras de ferro dos quatro rastrilhos que já passara. Ele viu um andarilho distante que vinha em direção à cidade. Sua caminhada perambulante foi finalizada com uma flecha em seu olho. O cadáver ambulante caiu. E Maegum estava só no corredor de portões. O som da passarada estourando em seu voo fez seu coração pulsar mais forte.

- Algum problema, garotinho? - disse uma voz vindo do lado de dentro da cidade.

Maegum se virou novamente, apenas para vez um bufão rindo de sua cara, ele tinha o rosto pintado de branco, a tinta escorria por parte de sua roupa preta, uma coroa de folhas secas na cabeça. Maegum apenas lançou um olhar irritado para ele. Nada lhe irritava mais do que ser tratado como criança. O bufão ficou pendurado no último rastrilho enquanto ele se abria. Os guizos chacoalhando nas pontas de sua roupa espalhafatosa.

- Me ajude a descer homenzinho - disse entre gargalhadas o bufão - não vai me deixar falando sozinho, vai?

O rastrilho começou a descer e Maegum apressou o passo. Descendo a ladeira que levava ao centro da cidade foi deixando o bufão para trás, o som das gargalhadas estridentes sufocadas entre o ranger dos rastrilhos.

Apesar da muralha em semicírculo, que era por si só uma arma poderosa contra os mortos, as casas eram bem reforçadas. E isso era óbvio, pensou Maegum, mortos não podem entrar, mas vivos podem morrer. A cidade era ainda maior quando se estava entre suas ruas e vielas. Ruas tortas, não projetas, te levavam a qualquer lugar e a lugar nenhum ao mesmo tempo.

Não demorou para passar na frente de uma estalagem, um prédio baixo feito de pedra, com muitas janelas fechadas com cortinas de tecido fino, esvoaçando com a passagem dos ventos. Um velho apareceu de uma das janelas e cuspiu quando viu que Maegum estava parado à porta, estava obviamente bêbado.

- Vai para sua terra, raça imunda - cuspiu o velho - já basta de refugiados, procurem outro buraco para se esconder, antes que os selvagens do oeste venham atrás de nós.

Ele riu maldosamente entre uma tosse engasgada.

- Já basta Lico, - disse uma voz feminina. Era forte e rouca - o rapaz passou por muita coisa, não precisa ouvir você falando merda.

Maegum quase não a viu no canto da outra janela. Era alguns anos mais velha que ele. Usava um manto cor de areia. Em seus braços nus brilhavam braceletes dourados, cravejados com runas, iam até a altura dos cotovelos. Sua pele negra brilhava ao sol, o cabelo cacheado estava trançado com fitas de fio de ouro.

- Uma maga do deserto em Akena? - perguntou Maegum - Foi ao banheiro, pegou o corredor errado e veio parar aqui?

Ela não riu, mas Lico sim, foi um prêmio de consolação para Maegum.

- Esse rapaz é engraçado Jya...

- Cala a boca velho babão - cortou a maga, levando o dedo indicador à boca. O bêbado tentou falar, mas sua garganta apenas produziu um grunhido sufocado. Então ela voltou sua atenção para Maegum - esperei muito tempo para encontrar um dos famosos Magos Azuis, só não esperava um filhote, mas serve. Entre.

Maegum passou as mãos sobre a soleira da porta. Sem sinais de feitiços. Também não sentia a presença de encantamentos ou uso de magia forte no local. Parecia ser apenas uma estalagem comum de uma parte comum de uma cidade comum. Mas Maegum sabia que as Magas de Areia eram traiçoeiras, sempre buscando adquirir vantagem em cima de outras pessoas com seus planos e combinações secretas.

O interior da estalagem era quente e acolhedor. Estaria vazio, não fosse um grupo de três marinheiras bebendo em um canto, falando baixo e rindo. Maegum passou por elas e foi em direção a escada. Ao alcançar o primeiro degrau, o último rangeu, ele olhou para cima. Jya descia as escadas com uma bola de vidro em suas mãos. Ela passou por Maegum como se ele não estivesse alí, ele sentiu sua pele arrepiar ao sentir o cheiro dela, era uma mistura de ervas recém colhidas e nozes das terras cinzentas.

- Vai ficar aí parado como um bobo? Coloque essa cobra para fora, quero vê-la.

Maegum gaguejou alguma coisa que nem o maior dos intérpretes poderia distinguir. Jya observou Maegum como se pudesse ver seus ossos ou sua alma.

- Magos azuis e sua fama por terem animais peculiares - disse Jya. Maegum voltou a respirar finalmente, estava trêmulo. Mas ele não sabia como ela podia ver Feroce abaixo de seu manto.

- Como você consegue senti-la - respondeu Maegum, balançando negativamente a cabeça, abaixo de seu manto ele sentiu Feroce percorrer sobre sua pele até se aninhar em algum lugar de seu ombro - meu manto é enfeitiçado para disfarce e...

A bola de vidro na mão de Jya brilhou, iluminando todo o ambiente. As marinheiras pararam seu falatório no canto do salão e voltaram sua atenção para os magos.

- Você fala demais Mago - respondeu Jya - deixa que eu tire seu manto para você - com um aceno de mão o manto azul de Maegum voou para longe. Revelando seu dorso desnudo, tinha um corpo musculoso coberto por tatuagens de runas antigas.

Nos seus ombros Feroce sibilou alto, as marinheiras correram escada acima. Jya permaneceu imóvel, não se abalou com a presença ameaçadora da serpente. O animal era agora quase duas vezes maior do que era quando estavam no Anfitrie, o navio de guerra que fora adaptado para ser uma comunidade flutuante sobre as negras águas do grande lago.

Jya sorriu finalmente, seus dentes eram brancos e ameaçadores como os de um predador, prontos para cortarem sua carne.

- Ela é surpreendentemente poderosa, posso sentir sua energia preenchendo o lugar - disse Jya, andando até uma mesa no canto e colocando a bola de cristal em cima dela. A bola cambaleou um pouco, girando, procurando uma estabilidade na mesa, até que pareceu ser puxada por um ímã. A bola ficou cravada na mesa como um machado na madeira.

Maegum sentiu a energia crescer ao redor da esfera, como a gravidade de uma estrela puxava seus mundos, predendo-os em uma órbita perfeita, ele foi puxado até a mesa. Sentou-se de frente para a maga do deserto, seus olhos se encontraram. Feroce se aninhou em seu pescoço, seus ombros pesaram. Jya tocou levemente a bola de vidro com a mão esquerda. O corpo dela estremeceu, seus olhos se reviraram, deixando apenas bolas brancas e sem vida à mostra.

A maga estendeu sua mão direita para Maegum. Só um louco iria tocar naquela mão, havia uma estranha magia ali, então ele tocou a mão de Jya e seu corpo também estremeceu. Tudo ficou escuro, ele ouviu o sibilar de Feroce ao longe. Foi tudo que lembra ter acontecido.

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CONTINUA...

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