Earendil I - Casa Vallari

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Earendil não era rápido o suficiente, tudo desmoronava. Seus olhos lacrimejavam com a fumaça do palácio da família Vallari queimando.

Earendil acordou suando, apesar do frio. O som das festas ainda ecoavam pelas ruas de Versi-Hay, cavalgavam no vento e invadiam o seu quarto. Ele se levantou e se cobriu com um roupão grosso e comprido demais para ele. Suas orelhas pontudas estavam vermelhas por causa do frio que invadia seu quarto. Por algum motivo a porta, que dava para a varanda de seu quarto, estava aberta.

Observou o céu estrelado, a noite estava ótima para não ser membro de uma família rica e importante. Ele ouviu uma última vez as vozes e risos mais abaixo na rua antes de fechá-las completamente. Voltou para sua cama e pegou o velho camafeu em uma pequena mesa perto. Seus olhos lacrimejaram. A lembrança da Casa Cinzenta desmoronando estava gravada em sua retina, e agora tinha sonhos com sua casa em chamas, o único lar que conhecia.

"Esses sonhos são do imaginário bobo das crianças", dizia seu primo e cavaleiro juramentado, Algel, "vai passar em alguns anos, aí você só vai sonhar com as mulheres da rua dos lírios."

Mas Earendil sabia que isso não era verdade. Ele já havia tido sonhos recorrentes antes, e quase todos haviam se tornado realidade, exceto o sonho com a grande ponte de Versi-Hay desmoronando. Ele sempre pedia em suas preces aos deuses para que esse nunca se tornasse realidade. Todas as vezes que tinha esse o maldito sonho, passava dias ouvindo os gritos das multidões morrendo, caíndo para o vazio dos cânions, no limite da cidade.

"Se é fruto do meu imaginário", pensou Earendil, "então eu sou responsável por se tornarem realidade, de alguma forma?"

Yalya o ajudava sempre que passava por isso. Mas agora ela não estava mais lá. Era apenas uma lembrança. Deixada no passado, como disse seu pai.

Earendil fez o que ela o havia ensinado. Respirar, relaxar e usar seus sentidos para desviar a atenção. Sempre funcionou antes, mas não agora. Só piorava tudo. Não havia como fugir dos fatos, ela estava morta, esmagada pelo peso de tentar pertencer a algo. Ele nunca foi o suficiente para ela.

Suas mãos trêmulas passavam por todo o camafeu. A pequena peça não respondia a nada. Achava que havia uma mensagem oculta, uma lembrança ou um segredo para ele, apenas ele. Earendil se negava a acreditar que era um objeto fútil. O jogou de volta para a mesinha e voltou a dormir.

Earendil não era rápido o suficiente, tudo desmoronava. Seus olhos lacrimejavam com a fumaça do palácio da família Vallari queimando. Ele tentou gritar, mas sua voz não saía.

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— Earendil – gritou Algel – posição de combate.

Ainda era cedo, mas Algel já gritava com ele. Então correu para pegar sua espada, a arma de aço com detalhes em ouro de Versi-Hay pesou em suas mãos. O metal frio fez sua pele se arrepiar.

O sonho da noite passada ainda em sua mente. Ele se esforçou para esquecê-lo.

As espadas se chocaram. O negro cabelo de Algel o fazia se destacar dos demais, no meio de um mar de tons de loiros até branco, ele era único. Não tinha mais de dezesseis anos de vida. O mais novo mestiço a se tornar um cavaleiro na história de Pouso do Tordo. Viera com seu pai servir e proteger a família Vallari enquanto estivessem em Versi-Hay.

"A capital é para onde as cobras de todos os reinos deslizam," sussurrava, o pai de Algel, Scarden, entre os corredores silenciosos do palácio Vallari "vim para servir completamente ao meu verdadeiro rei, o Lord de Pouso do Tordo, quem quer que receba o título."

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