Yalya II - Aos Deuses, Heresia

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Sangue jorrou em Yalya quando uma guerreira atingiu outra bem perto dela. O fim do combate, como sempre, sangrento. Yalya não percebeu que as guerreiras lutavam tão perto, ainda não conseguia ter uma visão perfeita do seu redor. A morte era uma parte comum do torneio, afinal eram apenas escravas, bastardas ou mestiças, lutando pelo que vieram buscar: a glória e a honra de se dizerem Damas Cinzentas. A guerreira atingida caiu de joelhos. Sem forças para continuar sentenciou seu próprio fim, cravou sua adaga no em seu peito. A campeã do embate correu para a direção da Casa Cinzenta. a ideia de sair vivas sem a vitória era inexistente.

Yalya conseguiu se recompor com dificuldade, mesmo que não completamente, da estranha perda de visão. Apesar de ainda estar atordoada, e da imagem de uma serpente-deus lutando contra um urso pardo gigante não saírem tão facilmente de sua mente, ela continuou avançando. O solo era firme nessa parte do hipódromo, mas o pó e o sangue criavam uma lama pegajosa.

Yalya correu até a jovem guerreira caída e esmagou o crânio do corpo inerte. A multidão gritou de repulsa.

— Dou apenas o que os senhores desejam ver – disse Yalya fazendo uma reverência para a multidão, como se fosse uma artísta que acabara de apresentar sua obra mais brilhante.

Restavam apenas quatorze guerreiras no hipódromo. Cinco delas, as mais altas e fortes, já estavam em frente de suas portas, prontamente depostas à Casa Cinzenta, então Yalya foi buscar a sua. Uma guerreira correu em sua direção. Ela carregava uma espada comprida, era uma humana de traços fortes, olhos negros e cruéis. Parecia ter a graça do povo, gritavam para que ela matasse a bastarda. Yalya ainda demorou um pouco para entender que ela era essa bastarda.

— Essa porta é minha bastarda – gritou a guerreira – procure a sua.

— Não mesmo Isolde, sabe que seis é meu número da sorte – disse Yalya, balançando sua maça para os lados.

Isolde avançou sobre Yalya, que desviou das estocadas repentinas e repetitivas. A maça de guerra tilintou contra a espada, mas Isolde a segurou firmemente. Elas deram algumas voltas, as armas se chocaram, depois se chocaram de novo e de novo. Ficaram ofegantes, rostos suados. A crueldade crescia no olhar da humana, a fúria crescente, ao som dos metais orquestrava com os gritos do povo.

Mais duas guerreiras chegaram às suas portas, sobrando apenas mais duas. Em breve não restaria muito pelo o que lutar, quando a nona guerreira tomasse seu lugar estaria consumada a iniciatória.

— Desiste Isolde, pega a outra porta e vamos acabar com isso. – Yalya bateu com toda sua força contra a espada, que finalmente voou longe.

Isolde correu para pegar a espada que caiu perto da última porta vazia, onde a última jovem guerreira chegava, depois de seu confronto, mancando. Isolde olhou para trás e viu que todas as outras guerreiras já estavam em seus lugares, então atacou a guerreira manca na última porta.

— Saia daqui, verme ridículo – Isolde gritou para ela – vamos, saia.

Yalya e as outras guerreiras apenas observaram o conflito. Alguns golpes e as duelistas findaram seu embate, Isolde conseguiu derrubar a jovem guerreira que se rendeu e pediu piedade. O povo urrava e batia nas beiradas das arquibancadas, a balbúrdia era de ensurdecer.

— Piedade é para os fracos – respondeu Isolde. A multidão gritou, como sempre, incentivando a matança – os fortes matam os fracos.

Yalya fechou a mão ao redor de sua maça, que esfriou, novamente estava presa ao seu corpo. O gelo começou a esfriar o ar. Algumas guerreiras perceberam a estranha magia que envolvia a bastarda.

Com um golpe fatal, Isolde partiu a cabeça da guerreira manca em duas, o sangue sujou a parede cinza. Heresia contra os deuses das florestas, pensou Yalya, com sua fúria aumentando.

Isolde se virou para Yalya e praguejou em alto élfico.

As portas da Casa Cinzenta se destrancaram com um estalo abafado. Houve um silêncio por todo o salão das guerreiras. Como se atingidas por uma ventania, elas se abriram, revelando a parte de dentro da construção que ainda dava calafrios em Yalya à cada olhada. Havia um fino véu em cada porta separando-as do salão de teto baixo e abobadado, onde uma chama cálida cintilava verde no meio dele.

Yalya correu na direção de Isolde. Pega de surpresa Isolde tentou se defender com sua espada, mas a maça de Yalya atingiu sua arma novamente, a fazendo voar mais uma vez. Do outro lado do hipódromo, o rei de sempre gritou fracamente palavras de repreensão. Lord Vallari estava em pé ao lado dele. Falava algo, mas a distância não permitia que fosse ouvido. A senhora Vallari arrastava Earendil para fora do camarote. Alguns guardas reais avançavam para elas.

— Como foi mesmo que você falou? – perguntou Yalya, o braço levantando a maça. Ela ouviu Arwin gritar da parte de dentro da Casa Cinzenta – lembrei, os fortes matam os fracos.

Yalya deu um golpe, as outras guerreiras à puxaram para trás. Mas a maça se transformou em uma estrela da manhã. Uma corrente se estendeu até que a esfera de ferro coberta de espinhos chegasse em Isolde, rasgando o abdômen dela. Ela olhou para baixo a tempo de ver as próprias vísceras transbordarem para fora.

Houveram gritos e vaias da plateia. A multidão começou a jogar coisas nas guerreiras, que tentaram entrar na Casa Cinzenta, mas não conseguiam atravessar o fino véu.

— Precisam passar uma em cada um dos nove véus – Arwin chegou o mais perto que pode delas pela parte de dentro da Casa Cinzenta – coloquem a Isolde sentada de costas aqui nesse véu.

As guerreiras obedeceram Arwin, arrastaram o corpo inerte de Isolde, colocando-a na sexta porta.

— Não, essa porta é minha – protestou Yalya. Sua estrela da manhã balançava timidamente mortal, seu rosto estava chapiscado de sangue.

— Calada antes que eu arranque sua língua – Arwin parecia assustador através do fino véu. Finalmente Yalya começava a ver que havia feito algo muito errado. Agora ela havia feito uma heresia contra os deuses da floresta, quebrara suas leis, desonrara seu templo aberto.

Ela seguiu as guerreiras, foi até uma porta qualquer. Todas passaram pelos véus e as portas se fecharam, tão abruptamente quanto quando abriram. 


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CONTINUA...

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