Horva I - Ossos Familiares

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Horva sentou ofegante no chão frio do quarto mais alto na torre mais alta. O piso do castelo abandonado estava empoeirado, era preciso muita habilidade para não escorregar, mas Horva era quase um cavaleiro caçador, isso não era difícil, pensou ele. Seus negros cabelos rebeldes estavam ainda mais rebeldes por ter acabado de silenciar sete andarilhos lentos.

Quebra-ossos pesava fria em suas mãos, a curta lâmina Astoriana era cinza azulada. Horva era robusto e alto, mas se não estivesse usando sua armadura se sentiria fraco.

Ninguém pisava naquele castelo há séculos, desde antes dos vagantes, na era das coroas. Já fora no passado o lar de uma grande família, esquecida pelo tempo, tragada pelas traças. Uma estátua com a metade de sua cabeça olhava com repreensão para eles, mesmo imóvel.

— Rápido – gritou Grisa – vem ver isso.

Horva se levantou, caminhou devagar até ela. Grisa era sua irmã mais nova, sua responsabilidade, que nunca pedira, mas ganhara como presente do destino. Aquela noite estava fria, mas não deveria, era verão. No verão sempre está quente, pensou ele, mesmo as noites no vale. Grisa estava deitada com o peito para baixo no frio chão de arenito negro da sacada, muito perto da beirada degradada que caía para o vale.

— Saia de perto da beirada, – disse Horva – você pode cair, e pelo amor dos deuses pare de gritar, pode atrair os andarilhos, e...

— Não seja tão chato – disse Grisa. Seus longos cabelos negros estavam trançados com uma fita azul escura. Usava sua armadura de couro negro. Em seu dorso pendia um arco e uma aljava com um punhado de flechas que ela mesma havia feito mais cedo.

— Eu só me preocupo com você. – Horva se aproximou da beirada com cuidado, o piso estava coberto de musgos e era ainda mais escorregadio que o resto do castelo. Ele se abaixou e encarou a queda. Ele e Grisa ficaram lado a lado.

Grisa pegou uma pedra que enchia sua mão, jogou-a lá embaixo e soltou uma uivada. A pedra atingiu o ombro de um andarilho, deslocando seu braço. Mas ele não moveu-se, apenas bateu seus dentes fazendo um som de ossos estalarem e ecoarem por meio do vale lá embaixo.

Os irmãos ficaram algum tempo observando-os lá embaixo.

— Eles nos ouvem, mas não sabem que estamos aqui em cima – disse Grisa com um sorriso – eles são corpos de idiotas provavelmente.

Horva continuou sério.

— Eles já foram pessoas, não fale isso deles – ele finalmente sorriu – vamos entrar, está frio.

Horva pôs-se de pé e estendeu a mão para Grisa.

— Canta pra mim?

Horva parou de sorrir.

— A música que a mamãe contava – Grisa estava séria agora – estou com medo.

— Talvez eu cante amanhã, se você se comportar.

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O vento soprava uma brisa leve da manhã, o céu era âmbar.

Horva sempre se sentia muito melhor com sua armadura. Era um presente de sua mãe. Acolchoada com malha bisoera, o brasão de Herdramor brilhava prateado em seu ombro. Ele lhe trazia lembranças do passado em Herdramor, mas dor por terem que deixar o vilarejo às pressas.

Encontraram o castelo na última noite, quando uma tempestade os obrigou a subir as colinas para fugir das enchentes. Era uma estrutura grande e alta, mas escondida depois das montanhas, em uma área selvagem dos vales.

— Podemos ver o resto do castelo – disse Grisa, como se tivesse tido uma ideia genial.

— E morrer? – perguntou Horva em resposta – meus ombros ainda doem de ter que silenciar aqueles andarilhos e te trazer viva para esta torre.

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