Filosofia das coisas

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A bola que quica
bate no muro,
que bate num gato,
que vai pela rua.
O gato ferido
levanta mancando
e vai caminhando
entre as crianças
que riem de tudo
que parece menor.

A pipa no ar
rodopia e girando
vai revelando
a vida real
de quem, livre no céu,
voando bem, vive,
mas sempre é preso
por algo à terra -
liberdade ilusória
do humano ser.

A água da chuva
cai pela estrada
e molha os carros
que correm velozes,
enquanto um menino
em pé, no sinal,
molhado, espera
um olhar favorável
e uma mão que ajude...
e parece ter fome.

Em uma mesa vazia
uma caneta descansa
em cima de um
papel rabiscado.
Uma nova história
parece surgir
do meio de tantas
que jamais surgirão -
guardadas serão
para um dia não vindo.

O sono é como alguém
que sabe amar.
Ele vem devagar,
sem alarde, discreto.
Abraça bem rente
e tira as defesas,
então te domina
e você consciente
se permite levar
sem querer que termine.

À noite eu ouço
o cachorro latir.
Fecho meus olhos
e lembro de casa,
do cheiro de barro,
da vida apertada,
do almoço pequeno,
da puxada molhada,
das brigas da mãe
e do silêncio do irmão.

Nem toda viagem
de trem é longínqua,
mas sempre será
um ensaio ideal
da vida, da qual
se medita durante
e se sai diferente.
O trem também é
um ótimo lugar
para se ler, como um livro.

Esboços não são
conclusões encerradas
como os livros exatos
de um matemático.
São alteráveis,
continuáveis.
São reticências
tal qual filosofia
da vida, das coisas.
São vida. São coisas.

Manaus,
24 de março, 2017

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