Elegia de tardes passadas

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Dia chuvoso; terra molhada;
os pés todos sujos; a roupa ensopada;
o olhar vago e  o pensamento distante.
Alguém passa por mim e prossegue adiante -
passos rápidos, mas ainda elegantes.
Em algum lugar eu já os vi antes.

Estrada de terra; casinhas de barro;
um cheiro de ervas; momento aguardado -
a passagem diária diante de mim.
Continuo ensopado em meu lindo jardim.
O vestido discreto, balouçante no ar
denuncia a silhueta - clara, familiar.

Pedrinhas no chão e cães a latir.
Um guarda-chuva azulado vai girando ao ir.
O relógio enfim marca quinze "pras" quinze;
meu fitar concentrado no passo seguinte,
no cabelo amarrado de medida comprida
e na mecha da nuca de cor colorida.

Fim de tarde; cantigas antigas;
o ar umedecido por gotas amigas.
Rude cercado; paredes lilases;
belas flores na porta; um molho de chaves.
Nas mãos preservadas um brilhante ornato
realça a maestria de um toque encantado.

No olhar penetrante um sorriso faceiro;
o nariz característico de um ser sem defeito,
delatam-me (caros) o ente querido
que ao virar-se contemplo: um rosto já ido.
A porta se fecha igual o meu coração
e é deixado na chuva um guarda-chuva ao chão.

Setembro, 2016

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