Capítulo 1: Saída do trabalho

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SAÍDA DO TRABALHO

- É sério que está chovendo? Não creio nisso, eu ainda olhei diversas vezes a previsão do tempo e estava dizendo que ficaria nublado, mais uma coisa para melhorar o meu "grande dia"

Ao olhar pela porta de saída do prédio, é possível observar o estado da situação, a rua está um caos, uma chuva forte veio repentinamente alastrando tudo o que via pela frente, os camelôs pegam seus produtos e desarmam suas barracas para se abrigarem em algum canto, ninguém quer perder o único sustento de sua família e nem ficar doente tendo que gastar dinheiro com essas coisas que para muitos são importantes, mas para pessoas como eles que têm preocupações mais urgentes, são mundanas. As pessoas fogem do temporal, se abrigam em lojas, restaurantes, bares, qualquer mínimo local de abrigo que seja o suficiente para não molharem suas roupas e seus produtos recém comprados, se fosse um dia normal de sol, todos os estabelecimentos estariam completamente eufóricos de receberem tantos compradores, mas infelizmente o que as pessoas definitivamente não iriam fazer neste temporal repentino era fazer mais compras.

- Impressionante! Nunca vi o calçadão de Campo Grande se esvaziar tão rápido assim, não tem uma única alma se quer na rua! Pena que só fica assim quando eu não preciso mais vir para cá...

A água começa a se alastrar por todos os lados, os bueiros em pouco tempo já estão todos entupidos com entulhos diários que são lançados ao chão pelos milhares de visitantes que andam pelo calçadão, a rua começa a tomar uma forma de piscina, para ser sincero, começa a parecer uma pia entupida com os restos de louça flutuando por todos os lados o homem pensa. Pensando no horário de partida do seu ônibus, olha seu relógio de pulso, lembra que ganhou há muitos anos atrás, herança deixada pelo seu avô enquanto ainda estava vivo, relembrando-se do passado, ainda consegue manter as imagens vivas e fortes de quando andava para lá e para cá com seu avô e admirava-o com seu relógio prateado no pulso, e pensava em quando poderia ter um igual aquele, só não imaginava que seria antes do seu avô falecer por conta de um câncer no fígado, seu pensamento é repentinamente cortado quando sente algo molhado encostar no seu pé, era um grande pedaço de dejeto animal que estava boiando por conta do nível da água

- Merda! Literalmente merda! Até esqueci de ver o horário do ônibus! Não é possível, esta maldita palavra está acompanhando o meu dia todo.... Já são 19:00h? Meu Deus! Só tenho mais 10 minutos para atravessar esse rio amazônico de merda e sujeira para não perder o ônibus pra casa.

Ele ajeita seu paletó preto meio esfarrapado, dá uma leve arrumada no seu cinto, verifica se está tudo certo com a sua mala de couro e decide partir até a rodoviária de Campo Grande. Normalmente seria uma caminhada "tranquila" de apenas 5 minutos atravessando o labirinto de pessoas e camelôs e após andar por um breve tempo, esperaria o fluxo interminável de carros abaixar para poder atravessar, pois o maldito sinal de frente a fonte nunca funciona como deveria, entretanto, com uma chuva avassaladora como essa, ficaria grato se conseguisse chegar na estação. Colocando os pés para fora da porta e iniciando o seu trajeto até a rodoviária, sente um enorme peso em suas costas e cabeça, não parece que pequenas agulhas estão te atravessando como ocorre por conta de chuvas normais, parecia que estacas de madeiras daquelas que se vê em filme de lobisomem estavam atravessando todo seu corpo, parecia que a chuva era mais pesada, que o julgava como se ele tivesse cometido algum crime ou algo do tipo, dando-lhe diversas punições por conta de suas ações malfeitoras, ou pode ser a simples ilusão de querer sofrer ou ser punido por todas as coisas ruins que aconteceram hoje durante o dia. Sua calça social está completamente ensopada, toda a sua roupa está extremamente molhada, teria sorte de pegar somente uma simples gripe, vendo que está passando por um monte de fezes, lixo e animais mortos por conta da água acumulada pelos bueiros entupidos. Andando e caindo em falso por um bom tempo na montoeira de buracos que há no Calçadão, consegue chegar à Boca do Túnel, mas o que não esperava é que tivesse fechada, por 1 segundo a sua mente juvenil achou que estaria aberto e poderia pegar um atalho até a rodoviária sem pegar muita chuva, mas pelo visto, os camelôs pensaram nessa ideia primeiro, ele pensa. Felizmente, é só continuar o caminho andando pelas laterais da parte de fora do túnel e uma hora atravessar o fluxo incessante de carros, que no momento, seria errado dizer um fluxo, pois todos estão num longo engarrafamento causado pela chuva, que obriga a maioria dos carros a pararem e se contentarem a esperar no trânsito de Campo Grande ao invés do conforto de suas quentes casas. O homem começa a acelerar o passo, viu que em seu relógio já se passaram os 10 minutos para a partida do ônibus, já está exausto de ter que ficar pulando entre buracos e levantando-se de poços d'água que atolam seus pés na imundice da sujeira, finalmente já está perto suficiente para ver o topo do ônibus, mas ainda precisa passar pelo gigantesco engarrafamento, o sinal abre e fecha de maneira esporádica, provavelmente deve estar quebrado, pois não tem como ver nenhuma sinalização por sua parte, a luz só fica no laranja e pisca incessantemente, os carros parecem que estão entrando numa grande roda gigante, no qual você precisa calcular o tempo exato para pular em cima da sua cabine e aproveitar os altos e baixos da viagem, mas infelizmente toda essa sensação boa é acabada ao aperto de um botão no qual para a máquina e o funcionário do brinquedo manda você descer, e para ir de novo é necessário encarar a grande fila que já se formou ao redor.

- É impressionante! Como isso é possível? Como que atravessar 2 faixas de rua consegue ser tão desgastante e demorado!

A mesma dúvida do homem se aplica a todos aqueles que estão presos no engarrafamento, "como que isso consegue ser tão desgastante e demorado?" Todos já estão ficando no seu limite, só queriam ir para casa e descansar, mas estão numa plena sexta-feira praticamente no início da noite enfrentando essa batalha diária que é voltarem para suas casas. Vendo que os carros estão dando uma diminuída na velocidade, o homem se lança em meio aos carros numa tentativa de chegar logo ao seu destino, já se passaram mais 5 minutos, não poderia mais perder tanto tempo assim, ele passa por ônibus e carros até chegar na fonte, que é metade do caminho até a outra parte da rua mas a chuva atrapalha a sua visualização total da rua, o que dificulta na hora da sua passagem, ao chegar a fonte, ele tenta ver o melhor caminho para atravessar a rua, porém quando ia passando pela rua, uma moto passa na frente dele tão perto ao ponto do retrovisor bater nele, ele se sente aliviado de não ter se acidentado, poderia estar agora no hospital por conta do possível atropelamento, mas foi livrado dessa vez, de ter que encarar a fila de um pronto socorro. O homem chega na rua da rodoviária, já se passaram mais de 15 minutos do horário no qual já deveria ter chego, ele coloca a sua mala de baixo do seu braço, e começa a correr pela chuva para pegar o ônibus mais perto possível para casa, não queria esperar mais 1h até que um novo ônibus chegasse, a chuva estava incessante, então já sabia que se não pegasse o seu ônibus agora, provavelmente só iria ver outro tarde da noite. O homem corre alguns metros rapidamente, já consegue ver a estação por completo, impressionantemente, está completamente vazia, só tem 1 último ônibus que parecia estar o esperando, enquanto está correndo observa que todas as loja estão fechadas, que não há nenhuma alma viva sequer vagando por aquela grande estação, parece até que o local foi abandonado a muitos anos, e agora só é possível observar as ruínas de um velho tempo, infelizmente, não tem como se focar muito nesta ideia, pois enquanto ainda não são ruínas, é necessário se focar no presente e subir logo naquele ônibus que o aguarda. Chegando ao ônibus, é possível notar que ele é o primeiro a entrar, o motorista aparenta estar esperando mais pessoas para poder partir, ou na verdade, estava esperando que ninguém viesse, para não precisar encarar um longo caminho nesta chuva intensa, o motorista o olha com certa raiva enquanto recebe o dinheiro da entrada do transporte, ele continua olhando torto ao homem enquanto aperta o botão que libera a catraca do ônibus, mas deixando de lado, é a primeira vez que consegue escolher em qual vaga deseja sentar, é extremamente raro ter a oportunidade de escolher um assento no qual goste mais, que seja mais confortável ou mais quente neste tempo frio, normalmente por conta do horário que sai do trabalho, acabava pegando o ônibus lotado, e tinha que fazer a viagem toda em pé, ao lado de dezenas de pessoas com o mesmo olhar de acabado que o dele, e com o cheiro de derrota por conta de um dia cansativo de trabalho, felizmente, não terá mais que enfrentar estes tipos de situações, por um tempo indeterminado ele pensa. O homem decide então sentar mais ao fundo do ônibus, perto da porta de saída, mesmo sabendo que provavelmente não teria pessoas suficientes para lotar o ônibus por conta da chuva, ainda assim por extinto, resolveu sentar no fundo para evitar aborrecimentos, já se passaram mais 10 minutos desde que ele entrou no ônibus, o motorista se prepara para partir após receber a ordem de um dos funcionários da rodoviária de partir em 5 minutos, não tem muito o que se fazer nesta situação, normalmente olharia as pessoas, e tentaria tirar suposições sobre elas de acordo como elas estão naquele momento, mas nem isso pode fazer por conta da chuva, então a única coisa que sobra para fazer é observar os pingos de chuva que caem pela janela do ônibus, seus pensamentos estão dispersos, fazia tempo que não tinha este tempo consigo mesmo, de poder sentar sozinho, estar sozinho, nesta imensidão chuvosa que traz consigo uma paz ensurdecedora, era tudo o que precisava após ter um dos piores dias possíveis.

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