Capítulo 2: Partida

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PARTIDA

O ônibus começa a partir, de fato agora após se irritar tanto, o motorista não deve mais parar por ninguém. De pouco em pouco a estação começa a ficar distante, o engarrafamento começa a se tornar algo constante, e não é possível ver alguém nos pontos de ônibus, praticamente nenhuma pessoa em sã consciência pegaria um ônibus numa chuva dessas, a não ser que fosse por conta de necessidade extrema.

"Por que será que este senhor decidiu sentar do meu lado sendo que o ônibus está vazio?", o homem pensa.

- Não sei

- Como?

- Não sei o seu nome

- Daniel, e o do senhor?

- Me chamo Lúcio, mas pode me chamar de Seu Luciano como todos me chamam

- Prazer em te conhecer

- Eu que deveria falar isso! Você me ajudou e muito há pouco tempo

- Que nada, se não fizesse, minha consciência ficaria pesada

- Nem todos têm um coração que nem o seu meu filho, nem todo mundo consegue se levantar e expor o que sente em meio a situações do tipo

- ...

"Para ser sincero, eu até cogitei nesta ideia, mas como falei, minha mente ficaria muito pesada, e não conseguiria dormir à noite...", Daniel pensa

- Eu te entendo

- Como assim?

- Eu também não consigo ignorar situações do tipo, mesmo na situação em que me encontro agora, sempre que posso tento ajudar as pessoas, mas normalmente elas não me aprovam e acabam me recusando em diversas situações

- É realmente difícil, você querer ajudar as pessoas, e elas recusarem a sua ajuda, já passei por situações do tipo...

- Quem nunca né meu filho?

- É...

- As pessoas não entendem muito bem as situações, acham que são o suficiente, que conseguem resolver sozinho os problemas, mas acabam somente se afundando em suas próprias mentes

- Eu concordo com o senhor, mas também há situações onde não podemos confiar nas pessoas, o sentimento de ser traído, ou de levar uma rasteira acaba fazendo as pessoas se encasularem e ficarem naquela forma para sempre

- É compreensível meu filho, entretanto, tente pensar desta forma

- Hum...

- Imagine que você é uma árvore

- Que tipo?

- Qualquer tipo, mas precisa ser frutífera

- Tá bom...

- Você primeiro irá crescer da semente, as abelhas e animais polinizadores que te ajudarão a crescer, depois de já grande o mundo que irá cuidar de ti, você irá crescer e se moldar conforme os padrões da floresta ao seu redor, pois você não quer crescer de maneira desigual no meio de uma floresta correto?

- Acho que sim, ainda não estou entendendo muito bem

- Uma hora, você dará frutos, belos frutos! E então será a hora que o mundo cobrará tudo o que lhe ofereceu, os animais iram comer de seus frutos, os pássaros se abrigaram em seus galhos, os humanos pegaram de sua madeira e látex para criar objetos e moradias, tudo o que você tem será de certa forma explorado

- Então pelo o que eu entendi, eu preciso da ajuda dos outros para futuramente ser cobrado e me tirarem tudo?

- Não leve por este lado meu filho, tente pensar de outra maneira, tudo se resume a um ciclo de vida, assim como você precisou das abelhas para te ajudarem a ser mais forte, assim como precisou da água da chuva para poder crescer, e dos nutrientes da terra para se estabelecer, um dia, essas mesmas criaturas precisarão de você para ajudá-las, e o que eu quis dizer é que naturalmente, você irá retribuir estes favores de alguma maneira, seja dando abrigo, suporte, alimento ou até mesmo servindo de matéria prima.

- Só que você sabe que o mundo não funciona que nem o ciclo da vida, que se remete a natureza e aos animais, a vida é cruel, um dia você vai precisar de muito, mais muito mesmo e só receberá o nada em troca disso. Será que realmente é justo ter que dar tudo de si, ao ponto de uma hora não ter o suficiente para si, na esperança de receber algo? (Fala de uma maneira mais direta e incisiva)

- Realmente meu filho, o mundo é cruel, mas é como eu falei anteriormente, assim como um dia precisamos de alguém, mesmo tendo que esperar bastante, uma hora quem te ajudou vai precisar de ajuda

- Seu Luciano, compreendo o que o senhor diz, mas ainda não entendo, tenho pensamentos diferentes de você, pois tive uma vida totalmente diferente do que suas falas dizem...

- O que aconteceu de tão ruim para você pensar dessa forma meu filho?

- Desde pequeno meu lar já era conturbado, fruto de uma traição, acabei tendo que morar junto da minha mãe, pois meu pai biológico nos abandonou, não o culpo, é compreensível, ninguém quer cuidar de um filho que não é seu. Minha mãe, além de ser largada por meu pai, ficou sem moradia e teve que morar com o amante, conforme fui crescendo, fui entendendo as coisas que aconteciam, seu amante cujo não lembro o nome mais e nem quero me lembrar, agredia ela constantemente, a culpava por conta de ter me tido, e agora ele não tem dinheiro para mais nada, as agressões ficavam mais e mais frequentes, e o pouco dinheiro que ele ainda dava para cuidar de mim, de pouco em pouco ia se acabando, até que num momento, o dinheiro parou de ser dado para os 

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