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- Vovô, acorda!

Absolutamente nada

- Por favor vovô, não brinca assim comigo, vamos levantar

Nenhuma resposta era me dada

- VAMOS, LEVANTE! (em pranto)

O silêncio, a única coisa que me aceitava naquele momento era o silêncio, pois nada me respondia, eu não conseguia escutar mais nada, a única coisa no qual eu prestava atenção naquele momento era no meu avô, mas infelizmente, ele não prestava atenção também a mim. Fui checar se ele ainda estava respirando, e nada, nenhum ar saia ou entrava pelas narinas dele naquele momento, chequei sua pulsação, e também nada, outra coisa no qual também a resposta era a mesma, o nada. Novamente aquela sensação ruim que estive escondendo durante 8 anos voltou novamente, meu rosto estava travado com um sorriso largo e grande na boca, e eu estava chorando e gritando desesperadamente, não conseguia me conter, estava completamente perdido de novo, sem ninguém, só, a única coisa que me acompanha desde sempre é o "nada". E novamente a cena se repetiu, meus vizinhos me viram e me deixaram num canto para eu poder me tranquilizar enquanto tiravam o corpo do meu avô e o colocavam num carro da funerária, nem isso eu sabia o que iria fazer, a única coisa que sei é que todos os vizinhos gostavam muito do meu avô, e vendo a minha situação atual, decidiram pagar por um caixão e fazer o enterro no dia seguinte, mas eu não tive coragem de aparecer, ainda estava muito instável, suscetível a tudo de ruim que estava acontecendo, precisava ficar um pouco sozinho...

- Às vezes a vida é realmente passageira meu filho...

- Sim seu Lúcio...

- E depois meu filho? Depois de perder tudo, quem é que te estendeu a mão?

- Minha esposa, Lívia, cuidou de mim até hoje, e até quando eu achava que não estaria mais aqui...

- Fale mais sobre meu filho

- Depois da morte do meu avô, eu fiquei sozinho de novo, eu tinha a casa que ele deixou para mim, e certas regalias que ele me proporcionou, mas ainda assim, o que eu mais queria naquele momento era ter ele comigo... E não sabendo aceitar muito bem a morte do meu avô, acabei entrando em luto, e com isso comecei a evitar ir para a escola, a minha sorte é que eu sempre tirei notas muito boas, e os professores não se importaram em dar presença mesmo eu faltando por conta do incidente, então já tinha passado de ano e já estava com o ensino médio completo teoricamente, mas mesmo assim, eu gostava de ir para a escola e me divertir com meus amigos e conversar com os professores e ajudar o pessoal da limpeza, eu era grato ao meu avô por me proporcionar tudo isso, então sempre tentei ir ao meu máximo em tudo, e sempre aproveitar tudo até o final, mas após a morte dele, eu estava perdido, eu estava sozinho, ainda não aceitava na minha cabeça que o meu avô tinha ido embora e me deixado aqui sozinho, meu pensamento egoísta tentava pensar em outros motivos para a ida dele, mas o verdadeiro problema era eu mesmo em aceitar que ele tinha ido, felizmente, num dia que eu achava que seria mais um dia qualquer como os outros, onde eu olharia para a porta e esperaria meu avô entrar, quem vêm até a minha casa me ver é a Lívia, desde que eu entrei na escola no fundamental quando meu avô me adotou até agora ela sempre estudou e ficou comigo, brincávamos, conversávamos e saíamos por aí toda hora, mas após o incidente do meu avô e meu momento atual de luto, parei de me encontrar tanto assim com ela, pois não aguentava fazer mais nada ou falar com ninguém, mas pelo menos ela é a única pessoa que me resta de confiança. Estava escutando batidas na porta e decidi abrir, quando eu abri, vi que quem veio me visitar era a Lívia, estava exuberante em seu lindo vestido vermelho, estava com um cheiro super doce de perfume, no qual até me perdia em pensamentos, seus cabelos cacheados e sua pele mais clara eram o seu maior charme, ela tinha heterocromia, muitos a zoavam por conta disso, mas eu achava a coisa mais perfeita do mundo, de um lado verde e do outro azul, era raro encontrar pessoas com essas colorações de olho, mas encontrar uma pessoa que tinha os dois era mais raro ainda. Eu a convidei para entrar e a sentar na mesa da cozinha

- Você quer comer alguma coisa ou beber um café?

- Não obrigada...

- E o que você deseja comigo para me agraciar com a ilustre presença da madame?

- Piadista você, eu só queria saber se você estava bem e como você estava, só isso...

- Acho que estou bem né?

- Eu diria que pela sua aparência um mendigo estaria até mais atraente do que você

- Em pensar que eu já fui um praticamente mendigo, acho que deveria voltar a ser um já que é mais atraente para você

- Eu gosto de você zumbizinho assim, está perfeito para mim...

- Se você diz...

- ...

-...

- Por que você não fala a verdade e me diz o que está sentindo?

- Quer que eu me declare para você?

- Não é isso seu bobão, estou falando do que você sente em relação a morte do seu avô

- Bem, é que é um pouco complicado de me abrir, ainda mais quando perguntam diretamente assim...

- Se você acha que assim não é bom, por que não fazemos que nem nos velhos tempos?

- Como assim?

- Você deita no meu colo e você fala comigo sobre o que você está sentindo

- Já somos grandinhos para isso você não acha?

- Podemos ser grandinhos, mas nossos sentimentos ainda nos fazem nos sentirmos pequenos não é verdade?

- Sim...

- Então pronto, vamos lá para a sala

- Tá bom...

Ela pegou no meu braço e fomos até a sala, eu estava com vergonha de deitar no colo dela, mesmo ela dizendo que não tinha problema, mas depois de tanto insistir acabei cedendo, mesmo achando estranho, ainda tinha uma sensação absurdamente boa, ainda mais quando ela tocou nos meus cabelos, os pelos do meu corpo se arrepiaram todo, eu não conseguia controlar as emoções que sentia, era um misto de felicidade, tristeza, e uma pitada de vontade de continuar recebendo todo esse carinho, mesmo sabendo que é errado demais querer cobrar dela. Depois de me aconchegar e me sentir mais calmo, iniciei a conversa

- O que você queria perguntar mesmo?

- Você já sabe o que é, então por que está evitando responder?

- É que por conta da minha criação, desde cedo já fui me guardando e ficando mais duro comigo mesmo, só consegui me soltar um pouco mais antes do meu avô falecer, mas mesmo assim, ainda não consigo me abrir tanto

- E você acha que eu poderia ser a pessoa certa para isso?

- Eu acho que você agora é a única pessoa certa que existe para mim

- É sério?

- Sim, acho que você foi a única pessoa que me restou no final, você pode até não ser de sangue, mas ainda assim, conviveu comigo este tempo todo, e esteve nos meus altos e baixos, e está agora aqui comigo, mesmo eu parando de falar com você, e nem te convidado, então fico grato com a sua presença

- Acho que foi a primeira vez que você falou comigo dessa forma

- Não é mentira o que eu falei de me abrir, só que é pouquinho

- Fico feliz de poder ser uma das primeiras a receber este pouquinho 

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