meus cuidados de uma jovem criança, o amante começou a usar tudo com bebidas para suprir seus sentimentos, o que libertava seus pensamentos mundanos e liberava todo seu ódio em minha mãe. Minha mãe conforme o tempo, em minhas lembranças claro, era linda, mas foi se introduzindo a soníferos e drogas para se anestesiar, até que uma hora remédios fracos da farmácia não serviam mais, então, começou a usar as drogas da rua, crack, heroína, maconha, qualquer droga que anestesiasse sua mente e sua fome, e falando em fome, acho que era o que eu menos sentia, tentava ainda até os meus 10 anos cuidar da minha mãe, toda a comida que eu conseguia pegando com os vizinhos, nos lixos e mendigando na rua eu dava para a minha mãe, não me importava de passar fome, pois era facilmente saciado só de ver a minha mãe viva, mas nem tudo são flores, num belo dia, na verdade, nunca tive um belo dia, só não achava ruim, pois pensava que muita gente não tinha sequer uma pobre mãe para cuidar, e é inimaginável um amor que uma mãe pode ter por um filho, por isso, nunca abandonei a minha, porque ela me amou e ainda me amava mesmo naquele estado, mas sua cabeça não a deixava pensar livremente como antes, e seu corpo, menos ainda. Mas voltando ao assunto, quando voltei para casa depois de ter passado o dia todo procurando comida nos lixos e mendigando para as pessoas, eu procuro a minha mãe mas não a acho de jeito nenhum, normalmente ela sempre ficava logo no quintal da frente, gostava de achar que o pequeno quadradinho de terra que tinha entre o monte de terra morta e seca era como se fosse um Jardim Botânico ou o Parque da Quinta da Boa vista, ela fazia daquele mísero pedaço o seu mundo, e eu tentava a ajudar com isso, levava algumas partes de frutas boas que achava e dava para ela, dizia que tinha acabado de pegar do "pomar" que estava no "parque" sendo que eu só tinha pego do lixo, e comia as partes podres e deixava o bom para ela. Minha mãe me olhava com um sorriso no rosto, mas já não falava mais nada, até que uma vez arranjei um pano de piquenique mofado, mas recortei e o costurei novamente com as partes boas para dar o bom e do melhor para a minha mãe, foi a primeira que eu senti que ela estava realmente feliz em estar no seu "Parque".... Perdão, eu sempre me distraio. Quando cheguei em casa ela não estava mais lá, eu entrei e procurei pela parte de baixo da casa e não tinha nada, na sala, cozinha, banheiro, e nada dela, até que eu subi para o segundo andar, e quando fui procurar no quarto dela, ela estava em cima da cama, tinha muito sangue para todos os lados, o lindo e belo rosto que um dia já foi de minha mãe, estava completamente irreconhecível, seu corpo estava totalmente despido, e seu amante estava pelado em cima dela, com uma faca pendurada na sua garganta. Quando eu vi aquela cena, eu não tive nenhuma reação que as pessoas normalmente teriam, eu comecei a gargalhar, mas não como se fosse algo engraçado, não não, eu só ria, mas ria muito mesmo, era um sorriso assustador, a situação não tinha graça nenhuma, mas meu sorriso estava largo, era a primeira vez que eu sorria tão grandemente, a minha boca doía, estava travada naquele momento e não saia aquela sensação, mas junto do sorriso, veio lágrimas, sentia que meu rosto estava encharcado de lágrimas, mesmo nem bebendo água como muitas das vezes eu queria, era de se impressionar de como saia tanto choro, tanta lágrima, tanta emoção assim para quem não tinha absolutamente nada, a não ser um amor de mãe, meu gritos em forma de riso começaram a alertar os vizinhos, muita das vezes os vizinhos já apareceram para averiguar a situação quando o amante da minha mãe batia nela, mas mesmo eles vindo as vezes e separando, nunca impediu por completo, o amante sempre se fazia de o bom moço para os polícias quando chamados e sempre dava um jeito de subornar os agentes do conselho tutelar quando vinham ver se realmente eu estava em boas condições. Mas nesse dia em específico, por conta de quem estar gritando desta vez ser eu, e todos já me conhecerem e saberem que não sou disso, vieram até a minha casa saber o que aconteceu, realmente era trágico! Terrível! Todos se afastavam ou tentavam disfarçar que não estavam se sentindo bem com isso, mas na verdade o que dava medo neles, era o estado no qual eu estava. Me colocaram para fora de casa numa ambulância ou viatura, eu não lembro agora, só me recordo das sirenes e da comoção de pessoa em frente à minha casa, e duas macas passando com um pano preto em cima...
- Entendo.... Mas gostaria de fazer uma pergunta
- Pode falar
- Você sofreu bastante, mas me diga meu filho, se você está aqui hoje, do jeito que está, alguém te estendeu a mão mesmo quando você ainda não reconhecia que precisava, me diga então filho, quem foi tal pessoa?
- Acho que foi a minha mãe como já falei
- Não meu filho, pense direito, a sua mãe serviu para um propósito diferente, estou falando que após a morte dela, quem foi que te estendeu a mão?
- Ah sim.... É fácil de responder essa, foi meu avô
- Seu avô...
- Sim, o homem que me criou, e me explicou como funcionava a vida
- Conte-me mais sobre filho
- Após o ocorrido, tiveram que contatar meus parentes, ou qualquer tipo de pessoa próxima possível para saber o que se fazer comigo, para ser sincero, por mim eu já tinha desistido de tudo. O que eu tinha, perdi, e o que eu queria, não poderia ter mais, então não tinha mais nada que me prendia de algum forma, foi aí que meu avô apareceu, algumas horas depois, enquanto aguardava sentado numa sala branca entre algumas cadeiras, foi quando um velho homem me aparece, sua barba era grande e volumosa, seus olhos eram castanhos escuros, mais tão escuros como se já tivesse visto tudo o que já tinha acontecido pelo mundo, sua cor mais escura e acentuada é o que realçava ainda mais seu rosto másculo e forte, mesmo para um senhor já de idade, ainda possuía alguns músculos no qual poderia se agarrar e se gabar um pouco, este homem senta ao meu lado, e sua grande jaqueta preta encosta em mim, ele me olha com seus olhos profundos e diz:
- Você que é o Daniel?
- Sim senhor, sou eu sim
- Prazer em te conhecer meu pequeno, creio que você não me conheça posso supor?
- Acho que não...
- Já era previsível, sua mãe nunca foi uma das melhores na hora de falar de mim
- Quem é você senhor?
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ônibus 864
Short StoryUma chuva intensa está devastando o Calçadão de Campo Grande, é necessário correr para alcançar o último ônibus disponível da noite caso Daniel queira voltar para casa, a viagem é longa, tanto mentalmente quanto fisicamente...