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ABIGAIL TORRES



A uma distância segura, assisti ao momento em que a Dra. Bryant entrou no refeitório ao lado de seu marido. Um acontecimento raro, que atraiu a atenção de todos. Mesmo concentrada no meu sanduíche e café, com o dobro de creme e canela, notei de esguelha a diferença entre o Tom que olhava para a esposa naquele momento e aquele cujo nome seguia envolvido em fofocas pelos corredores desse hospital.

Ele tem uma amante, Elisa disse certa vez, deixando-me com o coração apertado, não apenas pela Dra. Bryant, mas pela sensação de que, a cada vez que uma mulher era traída, todas nós também éramos.

Atenta às suas reações à esposa, até mesmo ao seu sorriso, tudo o que enxerguei, porém, foi cumplicidade. Um amor de anos. Sorrisos gentis.

Se Tom parecia amar tanto a esposa, por que então ele tinha outra mulher?

Bem, não era como se eu pudesse afirmar nada. O que conhecia sobre relacionamentos, afinal? Talvez estivesse apenas vendo amor onde não existia, porque a possibilidade de que esse casamento terminasse deixava-me apavorada.

E sim, eu estava sendo bastante egoísta sobre esse assunto.

Ao vê-los se levantarem, minutos depois, forcei-me a afastar o olhar de onde estavam. O que não impediu a Dra. Bryant de se aproximar da mesa em que eu estava sentada e sorrir de um modo engessado. Como se sentisse vergonha, ou até mesmo culpa. Faltou muito pouco para eu me levantar e deixar o refeitório, só não o fiz porque, desde o que aconteceu, nós duas não tínhamos voltado a conversar. Pelo menos, não mais do que algumas poucas palavras.

— Posso me juntar a você? — indagou, sem graça e recebeu de mim apenas um aceno. — Como está no Trauma? — quis saber, com verdadeiro interesse. — Borelli tem dito maravilhas a respeito do seu desempenho.

— Eu tenho participado das cirurgias. — O que por si só já era um avanço, pensei, ao dar de ombros. — E o Dr. Borelli é um excelente supervisor.

— Sim, ele é. — A pediatra me observou e, por fim, disse a que veio. — Eu queria agradecer a sua discrição, Abigail. — Ela segurou minhas mãos, ou tentou. Porque rapidamente as afastei. — O que presenciou naquele dia...

— Eu preciso voltar. — Levantei-me nervosa. — Foi bom conversar com você. — Não tinha sido, mas ela não precisava saber.

— Eu amo o meu marido — declarou, fazendo-me encará-la. — Mas uma parte de mim sempre amará o Nicholas. Você consegue compreender?

Não, porque, para mim, amor era um só. Ou se amava perdidamente, a ponto de nunca sequer cogitar compartilhar seu corpo, coração e alma com outra pessoa; ou não se amava.

— Ele é um bom homem, Abigail. Só não é um bom homem para se amar.

Eu a encarei e ajeitei os meus óculos.

Alicia parecia realmente preocupada comigo, mas o seu aviso já não era para mim. E sim para ela mesma, pensei ao me afastar.

Praticamente corri até o terraço, que era o único lugar onde sentia como se pudesse realmente respirar dentro desse hospital. Inclinada sobre a mureta alta, repassei as palavras de Alicia na minha cabeça. Assim como a conferência que, em dois dias, teria início.

Viagem, hotel nas montanhas. Seminários nos quais já me inscrevi. Tudo seria custeado pelo hospital. Só que não era a correria ou as despesas que me preocupavam no momento, e sim o fato de que Nicholas e eu estaríamos praticamente isolados em uma cidade em que quase ninguém nos conhecia.

***

Assim como fiz ao longo de toda a semana, estendi o horário do plantão sem ao menos perceber. Atendimento após atendimento, duas horas facilmente haviam se passado. E apesar de todo o cansaço e letargia em meus gestos, proveniente das horas insuficientes de sono, não havia outro lugar no qual eu desejava estar naquele momento.

O Doutor (Homens no Poder) Onde histórias criam vida. Descubra agora