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ABIGAIL TORRES



— Diga-me o que vê, Dra. Torres — Borelli pediu, à minha frente.

A laparotomia de emergência era o último recurso a fim de descobrir de onde, exatamente, vinha a hemorragia de uma vítima de acidente de trânsito, ocorrido horas atrás. Acompanhei e participei de diversas cirurgias como esta ao longo da minha residência, mas nunca estive cem por cento envolvida, desde a primeira incisão feita pelo bisturi até o estudo do trauma sofrido nos órgãos internos.

— A profundidade é maior do que a mostrada nos exames. — Verifiquei seus batimentos cardíacos, conforme explorava as paredes internas dos tecidos e pequenas artérias. Consegui ver o fígado... e a vesícula estava exposta.

— Qual será a sua abordagem?

Eu o encarei por um segundo rápido.

— Eu farei a elevação da vesícula com uma pinça angular. — Realizei o procedimento devagar, hesitante ao ver danos maiores. — Preciso aspirar...

Havia sangue demais e, se não descobríssemos com urgência de onde ele vinha, acabaríamos tendo que começar a transfusão.

— E depois?

— Pinça angular, aspiração e afastador.

Além de Jason, a equipe contava com duas enfermeiras cirúrgicas e um anestesista. Éramos poucos, comparados às equipes presentes em procedimentos mais complexos.

O problema é que eu estava começando a achar que havíamos subestimado a gravidade da lesão.

— Dr. Borelli. — Eu tinha certeza de que o meu agora supervisor enxergava o mesmo que eu. Uma massa, possivelmente cancerígena, e que teria que ser retirada para a biópsia. Era ela que pressionava uma das artérias lesionadas, provocando a hemorragia.

Jason não teve tempo de intervir ou sugerir qual seria a nossa abordagem, porque a voz grave e autoritária, escutada através do interfone da galeria, nos impediu de continuar.

Olhei para cima, vendo-o de pé e observando a cirurgia junto de dois ou três residentes, sentados a uma distância segura do homem.

Não era segredo para ninguém que ele havia assistido a algumas das cirurgias das quais participei desde que fui transferida para o Trauma. Nem que Nicholas costumava entrar somente depois que começávamos e que saía antes do fim. Os boatos corriam à solta pelos corredores, tornando-me alvo das fofocas. Ainda que a razão do interesse do Dr. Donovan na minha carreira não fosse do conhecimento de nenhum deles.

Ou assim eu esperava.

Elisa teria comentado algo se soubesse que eu era o tema de todo o burburinho.

— Dra. Torres, me escute — Nicholas exigiu, trazendo-me de volta à realidade. — Você tem uma visão clara dos órgãos?

— Não completamente, mas preciso realizar o corte. — Fechá-la sem recolher a amostra seria expor a paciente a outro procedimento desnecessário. E não acho que ela suportaria, não em tão pouco tempo.

— Qual é a sua visão? — insistiu, com autoridade.

Como chefe-geral do setor de cirurgia desse hospital, sua palavra era lei aqui dentro.

— Trata-se de um nódulo grande, Dr. Donovan. Está na parte inferior do fígado.

— Tamanho?

— Três, quatro centímetros. Como um tucumã .

Jason me encarou, confuso.

Bem, acho que ele não conhecia um tucumã.

— Não é nosso trabalho movimentar nódulos ou recolher amostras, Dra. Torres — dessa vez, foi Jason quem falou. — Nós abrimos, lidamos com os danos e fechamos.

O Doutor (Homens no Poder) Onde histórias criam vida. Descubra agora