Capítulo 5

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Raquel não contou ao seu pai onde ia, só que iria conhecer mais a cidade. Ele estava tão ocupado com as coisas da oficina, que não perguntou muito a respeito. Apenas pareceu feliz com o entusiasmo da filha de estar se envolvendo com o lugar.

Raquel saiu da oficina, ainda era cedo, mas precisava adiantar as coisas. Foi até a casa de Augusto, e a mãe dele emprestou uma bicicleta.

- Não vão usar mesmo? - Ela questionou.

- É do Augusto. Ele usa uma vez ou outra... E além disto, nem está por aqui. Use quanto tempo precisar.

Ela agradeceu, e saiu para procurar e separar algumas coisas achava que precisaria, o que se definia como tesoura e luvas de jardinagem, além de uma bota de borracha velha do pai que encontrou entre as coisas empacotadas na despensa. Deixou o almoço pronto para os três, que Fabrício buscaria mais tarde, segundo combinaram. Logo depois do almoço, colocou a ferramenta e a luva num saco que achou no meio das bagunças do pai, calçou as botas, e saiu pedalando. Já pensava na subida que enfrentaria, portanto foi mais devagar no início, observando mais uma vez as casas sem muro, alguns vizinhos que a cumprimentava quando assava - entre eles, a mesma senhora que sorriu par ela no dia em que discutiu com Cristian na rua. Agora sabia o que era viver em um lugar onde "todo mundo conhece todo mundo".

Virou na esquina seguinte, pois procuraria uma saída pelo fundo da cidade, provavelmente haveria uma rua lateral que cairia na estrada de terra que pegaram outro dia, assim evitaria as multidões da avenida vendo a maluca da garota nova de botas de borracha e pedalando ao sol da tarde. Duas quadras depois, se arrependeu amargamente de não ter seguido direto e enfrentado os olhares curiosos.

No meio da quadra, em frente à um sobrado cinzento ornamentado de arbustos na frente - um local frondoso, se comparado com o restante das casas vizinhas -, estavam parados embaixo de uma sombra Cristian e Soraya. Ela tinha a cabeça curvada e um sorriso nos lábios, enquanto ele, com seu chapéu inconfundível, gesticulava com as mãos e explicava algo para a garota. Ele não sorria, mas tampouco parecia fechado e ranzinza, como o vira nas outras vezes que se encontraram. Raquel reteve o impulso de revirar os olhos diante do casal, e olhou para frente  tempo todo, sem se virar. Ao passar por eles, notou que estavam em silêncio, provavelmente lutando para não rir da forasteira de botas de borracha, saco na mão e bicicleta masculina.

Será que namoravam? Augusto não havia comentado nada, mas ela também não perguntou. Por que perguntaria, afinal? Ela balançou a cabeça. Os dois se mereciam, e mesmo conhecendo-os tão pouco, nunca viu um casal que combinasse mais!

Seguiu sua pedalada, tentando não pensar muito naqueles dois. Não foi difícil encontrar a rua que seguiu com Daniel no dia anterior, já que tudo ali era reto e quadradinho, bem diferente das ruas que estava acostumada a andar. Logo estava na estrada, e como imaginou, teve que descer da bicicleta na hora da subida. Parou para beber água na pedra que fora no dia anterior com seu amigo, e aproveitou para olhar a paisagem novamente. Era diferente quando estava sozinha, experimentou uma sensação de paz, que mesmo no silêncio ensurdecedor d sua casa, ainda não experimentara. Talvez fosse pelo vento soprando mais sorte em seu rosto, ou o sol que, mesmo tão quente, lhe fazia se sentir tão bem sobre a pele já corada. E aquele cheiro? Respirou fundo, um aroma de algo limpo e livre. Sentiria falta disto quando fosse embora, no final do ano, mas poderia vir sempre que viesse visitar a família, e aproveitar a paisagem e voltar à esse refúgio recém descoberto.

Depois de alguns minutos, continuou o trajeto, e ao adentrar a mata sentiu o clima ficar mais abafado e úmido. Ela já estava ensopada, era mais fácil quando vinha na garupa, pensou. Ao avistar o lago, terminou de chegar caminhando, e foi melhor caminhar no meio do mato com as botas.

Não se despeçaWhere stories live. Discover now