Capítulo 14

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- Quer merda foi aquela? - Fabrício berrou, entrando pela porta da frente.

César jogou uma almofada nele, que se protegeu.

- Ai, qual é? 

- Olha a boca.

- Mania idiota de jogar almofada - Fabrício resmungou, como se não fosse ele o primeiro a fazer isso sempre que podia.

Em outra ocasião, ela teria dito exatamente isso, mas não estava no clima de rebater. Fabrício se jogou no sofá, com uma carranca. Raquel encarava a cena, deitada no sofá oposto com a cabeça no colo do pai. Estavam assim desde quando chegaram, sem conversar coisa com coisa. 

- Ninguém sabe, na verdade. Só que ela pegou ele em algum flagrante, ou sei lá - ela resmungou, ao que o pai aquiesceu.

- E que ela aproveitou a plateia para envergonhar o marido - o pai completou.

- E - César completava -, que tem problemas com bebida.

 - Será que não pensou em Daniel ou Lola por um instante? - Raquel questionou, irritada.

- A raiva levava as pessoas mais ajuizadas a perder o rumo, justamente por que elas eram menos acostumadas por se deixar levar - César interpôs, olhando o nada. 

Todos ficaram em silêncio depois disso. Raquel pensava em quando encontrou Daniel naquele estado, ele não tinha passado por coisas ruins na sua vida, tudo era perfeitamente equilibrado, e quando se viu naquele círculo de fogo, não soube o que fazer. Ficou desorientado.

E o mais impressionante: Cristian o socorreu. Seria o princípio de uma reconciliação? Ou o outro apenas sentiu pena do antigo amigo. Fosse o que fosse, era de admirar a ação do Cristian. 

O pai de Raquel quebrou o silêncio.

- A verdade é que somente eles poderiam saber o que dizer sobre o que aconteceu. E não temos nada com isso. Enfim, vamos para a cama que já está ficando tarde, o que acham?

Se levantaram, cada um seguindo seu caminho, e todos com a mesma inquietação. Afinal, já sabiam mais do que ninguém onde aquilo terminaria: divórcio. E sabiam, mais do que qualquer outra família, as consequências de um fim trágico desses. Aquilo doía em cada um, e eles respondiam a sua maneira. 


- Raquel? – César chamou.

Estava claro em seu quarto, mas devia ser muito cedo. Ela mal dormira, pensando não somente sobre o ocorrido, mas o que faria dali para o final do ano. Aquilo estava a consumindo, e não ter uma resposta tirava-lhe o sono. 

- Daniel está ai, quer falar com você – ele declarou, e fechou a porta do quarto.

Ela levantou e se arrumou. Encontrou-o sozinho na sala.

Ele sorriu quando a viu, e ela foi ao seu encontro, sentando ao seu lado. Ele deu um beijo rápido em seu rosto, e suspirou, segurando a mão dela. Raquel ficou um pouco sem jeito de início, mas resolveu quebrar o silêncio.

- Sinto muito por tudo - ela disse, ao que ele aquiesceu.

- Eu também. Mas, vim para te contar a novidade. Nós vamos embora – ele soltou, a voz estática, o olhar fixo em um ponto no nada.

- Seus pais? - Ela questionou, esperançosa de que eles tivessem se entendido. 

- Eu, minha mãe e Lola, meu pai vai ficar aqui. Ela pediu o divórcio, é óbvio, e amanhã mesmo, quer ir para São Paulo.

Raquel engoliu seco. Há três dias, ela recebeu a proposta de partir. Agora, era Daniel quem iria se despedir. 

- Entendo – foi só o que ela conseguiu dizer. 

Ele a abraçou forte. Antes que ela pudesse pensar no que estava fazendo, Raquel  beijou os lábios dele.

Não sabia se por causa do que havia acontecido, nem saberia dizer um dia o que realmente aconteceu. Mas de repente... Só o que pôde sentir foram os braços dele a enlaçando ainda mais, suas bocas coladas, ele passando as mãos pelos cabelos dela, ao que ela resolveu fazer o mesmo. Seu coração explodia no peito. Nunca beijara ninguém assim. 

E depois de algum tempo, quando se separaram, ele colocou a testa na dela e a encarou, sem dizer uma palavra, os dois ofegando. 

- Isso não facilita em nada - ele disse, entre um sorriso, enquanto acariciava a bochecha de Raquel.

- Desculpe por...

- Não, não se desculpe - ele interrompeu e suspirou antes de continuar -, estou muito, muito afim de você. Isso soou horrível.

Eles riram.

- Tente de novo - ela propôs, sentindo um pouco de pena dele.

Ele assentiu, e segurou o rosto dela entre as mãos, antes de continuar.

- Estou completamente apaixonado por você.

Raquel retribuiu o olhar, tentando digerir aquelas palavras. Seu estômago afundou. Droga, ele ia embora! 

- Como me saí agora?

- Bem melhor, eu admito - ela sussurrou.

- E? O que tem a dizer sobre isso? - Daniel questionou, agora sussurrando também.

- E concordo, isso não facilita em nada. Já que talvez seja recíproco - ela disse, sentindo um bolo se formando na garganta. 

Não era de chorar. Isso estava ficando cada vez pior. 

- Isso pode dar certo. Você também vai para São Paulo, não vai? 

Um frio percorreu sua barriga. Ela tentou falar, mas não saia nada. Respirou fundo, sentindo que estava ficando estranha. Que ideia idiota, pensava. Não devia se sentir assim após beijar alguém, ainda mais quando esse alguém era um cara por quem ela com certeza estava afim. E que iria embora. Sua cabeça girava, e ele ainda esperava que ela dissesse algo.

- Eu... - Ela tentou, mas ele  interrompeu.

- Então nos encontramos lá, e longe de toda essa bagunça, decidimos o que fazer.

Ela assentiu, ainda sem norte. Ele sequer a deixou abrir a boca. Apenas se levantou, deu um selinho nela e saiu.

E ela ficou sentada, encarando a porta, antes de finalmente desabar no choro. E foi assim que César a encontrou.


No outro dia, só o que conseguiu foi abraçá-lo, sem dizer uma só palavra. Sem derramar uma gota de lágrima. Antes de a soltar, ele sussurrou.

- Eu vou te esperar em São Paulo. Te dou notícias, log para Marlene para passar nosso endereço – Raquel assentiu, um estranho nó se formando na garganta novamente.

Tinha a sensação estranha de que aquilo era errado, ele ir assim.

Ela também não entendia porque não chorava de novo. Ele a soltou, e partiu, embarcando no carro depois dar-lhe um beijo na bochecha. Raquel seguiu abraçada com César, que veio com ela para se despedir. Ela não esperava isso do irmão. 

E assim, Daniel se despediu.


Não se despeçaWhere stories live. Discover now