Capítulo 13

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O alarme do celular de Simone toca às quatro da manhã. Acordamos assustadas e resmungamos na escuridão. Passamos a noite em uma conchinha perfeita e, depois de sentir os beijinhos que ela deposita na curva do meu pescoço, não sei se ainda quero contemplar o nascer do sol.

- Bom dia, So – ela sussurra ao pé do meu ouvido.

Me viro, para ficar de frente para ela, e lhe dou um selinho demorado.

- Não quero sair daqui, por favor – digo, fazendo manha.

- Prometo a você que vai valer a pena o esforço, okay?

Simone beija minha testa, rolamos nuas pelo emaranhado de lençóis para fora da cama e para nossas camadas de roupa. Embora estejamos em clima tropical, a Clara da Recepção disse a Simone que a temperatura antes do amanhecer à beira da praia costuma ser fria.

Apesar de nossa melhor intenção de ir dormir cedo, Simone me manteve acordada por horas com suas mãos, sua boca e um vocabulário, assombrosamente grande, de palavras sujas. Sinto como se uma densa névoa de sexo pairasse em meu cérebro mesmo quando ela acende as luzes da sala de estar. Com dentes escovados e mais alguns beijos trocados, Simone prepara um café para mim enquanto seu chá faz infusão, e eu arrumo uma bolsa com água, frutas e alguns biscoitinhos.

- Quer ouvir minha história de escalada de montanha? – pergunto.

- Envolve falta de sorte?

- É isso aí.

- Estou ouvindo.

- No verão, depois do segundo ano de faculdade, Karine, Denise, Jorge e eu fizemos uma viagem para a Serra de Maracaju, porque Denise estava em uma pegada de ficar em forma e queria praticar montanhismo.

- Ai, ai.

- Sim! – cantarolo. – É uma história terrível.

- Aposto que sim.

- Bom, Karine e Denise estavam em ótima forma, mas Jorge e eu estávamos, digamos, mais para criaturas que habitavam o sofá em frente à TV do que para corredores. Claro, a trilha em si é insana, e achei que fosse morrer pelo menos cinquenta vezes (o que não tem nada a ver com sorte, apenas com sedentarismo), mas então começamos a última subida vertical até o topo. Ninguém me disse para prestar atenção em onde colocar as mãos. Alcancei uma fenda para me segurar e agarrei uma cobra.

- O quê?

- Sim, fui picada por uma porra de uma sucuri e caí quase quatro metros.

- O que você fez? – Simone perguntou, olhando-me, boquiaberta.

- Bem, Jorge não ia escalar o último trecho. Assim, ele estava lá de pé, em cima de mim, agindo como se seu plano fosse fazer xixi na minha mão. Felizmente, o guarda-florestal apareceu e explicou que a sucuri não é venenosa, então foi mais fácil apenas fazer um curativo para evitar infecção.

- Viu? – Simone afirma. – Isso é sorte.

- Ser picada? Cair?

Ela ri, incrédula.

- Sorte que a cobra não era venenosa. Sorte que o guarda fez um bom treinamento de primeiros-socorros. Você não morreu em Maracaju e eu posso fazer isso – ela conclui, beijando minha bochecha.

Desdenhosa, dou de ombros e coloco duas maçãs na mochila.

- Entendi o que você quer dizer.

Percebo que ela ainda está me observando.

- Você não acredita mesmo nisso, não é? – ela pergunta e, pela minha feição, acrescenta: - Você acha que tem algum tipo de azar crônico?

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