platônicos

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platônicos

Primeiro amor é sempre na cabeça, todo um rascunho de coisas que poderíamos ter sido, mas a vida é um mar que me abandonou na costa e te sugou para as profundezas. Por que é tão difícil esquecer? Além de primeiro amor ser platônico, também te segue pro resto da vida. Me alimento das nossas antigas interações sem filtrar as quantias que me entram e que me saem. Ignoro a parcela de razão que me sobra, que diz que não sou mais nada na tua vida, que manda te esquecer e seguir em frente, mas o que tem em frente se você ainda está lá atrás? Tem tanta gente no mundo e logo por você fui ter esse complexo, será mesmo que não tem significado? Tudo acontece por um motivo, mas não vejo motivo para o que aconteceu entre eu e você. Te conheci para um dia escrever isto? Te conheci para descobrir que minha alma de escritora é repleta de um amor que só deixo o papel ouvir? Te conheci para que, se não para sofrer? A tua imagem aos poucos some da minha cabeça, tua voz certamente que mudou e já não posso dizer que te conheço, que conheço teu tom. Ainda lembra de meu cabelo? De meus olhos? Ah, castanho, tenho muito medo de esquecer o batuque de nós dois igual castanhola em flamenco. O poder das palavras é tão assustador, mas ainda não consigo me trazer a falar. Poderia te chamar, poderia dizer o que sinto, mas seria tanta tolice! Não sei por onde andas ou com quem andas. Finjo não ligar quando teu nome surge em conversas e uma parte de mim grita que você também finge não ligar quando o meu é pronunciado. O passado não te afeta mais? Queria ter esse poder sobre mim mesma. Inventei tudo isso aqui, toda essa música folclórica onde a sua castanhola é o instrumento principal. Deixei minha criatividade voar por anos, e queria poder dizer que isso aqui é um Adeus, um ponto final e até poderia ser se não tivessem tantas hipóteses nesse espaço-tempo de que nada entendo. Sei que isso aqui é só mais uma vírgula nessa prosa que venho compondo há séculos. Quando ver teus olhos de novo e enxergar só marrom coloco essa pintinha na nossa história, com muita dor, mas coloco. Castanho, se tu ler isso, me chama. Me fala. Castanho, tu sabe de quem eu falo, tudo isso aqui é um caça-palavras sem mistério nenhum! É um quebra-cabeça já montado, só tens que ver! Promete que vai tentar? Promete que vai olhar as entrelinhas e depois me mandar cartas dizendo que se enxergou! E, se anos já tiverem passado quando ler, se já estiveres casado, se o teu nome não apedrejar mais a minha cabeça durante as noites, por favor, não tema em me mandar uma carta dizendo se era ou não era loucura minha. Sei que daqui sessenta anos ainda vou querer saber. Me conta se me amou também, se pensou em mim nas noites tristes, se também tinhas palavras entaladas na garganta que por nunca terem saído, desceram até a barriga e o ácido queimou. Pode me contar, aparece no meu funeral, vem me ver! Ainda vou falar de ti para todos com aquele ar de memória secreta, de amor escondido, tudo muito proibido, sabendo muito bem que nunca fomos mais que olhos gritantes. E isso dói, castanho castanhola. Dói muito. 

CASTANHO CASTANHOLAOnde histórias criam vida. Descubra agora