cálice

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pode conter gatilho.

DE VINHO TINTO
DE SANGUE.

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Nova Primavera não tinha notícias de Irene há pouco mais de 2 meses – exato momento em que ela e Petra saíram de casa. O pouco que sabiam é que ela estava instalada em uma pousada próxima da região, Petra era a única que realmente sabia o paradeiro da mãe. Se negava a contar todas as vezes que Angelina e Caio a pressionavam a dizer.


Quando Irene foi embora, a mansão dos La Selva acabou. Até porque era ela quem mantinha aquela casa nos eixos.

Dizem que quando a mãe sai do ninho, os outros pássaros voam desnorteados. Talvez fossem pássaros desnorteados, sem Irene por perto. Antônio perdeu o rumo assim que a porta se fechou e a figura da esposa – até então, nenhum dos dois assinou o divórcio – nunca mais abriu a porta, com os cabelos feitos.

Ele gostaria de saber como ela estava, se ainda era a mesma Irene de sempre. Mesmo sabendo que ela não queria o ver novamente.

Era o que ele achava.

Aquela pousada se tornou sufocante, estar afastada e não saber o que acontecia era sufocante. Era sufocante lembrar o passado e não ter nada para distrair sua mente, estava em uma pousada mixuruca em arredores mais tediosos ainda. Ficava menos tedioso quando Petra aparecia, trazendo alguma novidade – sendo boa ou ruim.

Gostaria de voltar, mas cogitar a possibilidade de cruzar com Agatha e Antônio juntos e provavelmente com sorrisos melosos e felizes a deixava tonta. Seu estômago enjoava só da sua mente querer imaginar isso. Então, preferia viver nessa pousada mixuruca, vivendo um tédio eterno. Tedioso e monótono, era assim todos os dias.

Quando Petra foi visitá-la, era quase 01:00 da manhã quando a menina praticamente derrubou sua porta e Irene foi obrigada a abrir a porta e ouvir o que a mais nova tinha a dizer.

"Por que nunca me contaram?" A pergunta veio e ela apenas franziu o cenho, coçando os olhos querendo entender o motivo. Indagou sem entender o que a filha quis dizer, então, a facada foi pior do que imaginava.

Por que nunca me disseram que eu ia ter uma irmãzinha? Por que esconderam isso?

Haviam várias formas de enfrentar o luto, uma delas era ignorar completamente a situação que viveu e foi isso que fizeram. Durante anos, aquela criança foi só mais uma lembrança velha que foi guardada na gaveta.

Tiveram apenas 3 filhos e isso era o suficiente. Ninguém precisava saber o resto.

A partir do momento em que a matriarca dos La Selva saiu do hospital carregando apenas olhares doídos, a cidade toda entendeu que o assunto morreu ali. Petra não tinha o direito de reviver aquilo quando ela apenas não se lembrava por ser muito pequena e consequentemente se dopar de remédios.

Irene não reviveria aquela história de novo, não iria relembrar aquela dor constante que a fez se tornar completamente fria.

Setembro de 2003.

Poucas coisas assustavam Irene, poucas mesmo. Nunca teve medo de aranhas, cobras, lagartos – apesar do medo incondicional por galinhas, mas poucas coisas realmente a assustavam, uma delas foi a quantidade absurda de sangue que viu saindo do seu corpo naquele banho.

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