TENHO FRAGMENTOS DE
UMA VIDA COM VOCÊ.✿✿✿
Tic-tac. O relógio de ponteiro que Antônio tinha como decoração do seu lado do quarto ressoava pelo ambiente silencioso. Tic-tac seu reflexo na aliança fazia ela se assustar, fazia ela querer chorar por estar tão longe, longe de si, longe de Ayla. Tic-tac, o mundo era um relógio de ponteiro, Irene era o marco principal do relógio: o número 12. Tic-tac, travando no número par e parecendo acabar ali, parecendo ser um degrau que se ela escorregasse, sua queda não teria fim.
A cama do seu quarto era estranha, o colchão parecia desconfortável apesar de que o da pousada em que foi obrigada a se hospedar era um pouco pior, suas costas sempre acordavam doloridas. Aquela camisola a agoniava, a mesma camisola em que Agatha lhe deu aquele chá paralisante.
Aquele chá. Seu corpo travou, piscar era difícil e respirar doía, os olhos de diaba queimando sua pele fazia seu coração acelerar e seu cérebro implorar para que o corpo se mexesse. Estava exatamente igual, poderiam chamá-la de louca se a vissem com aquele olhar perdido e os olhos fundos. Poderiam a chamar de muitas coisas, inclusive de assassina.
Haviam vários adjetivos que Nova Primavera gostava de chamá-la. Piranha era um deles, a tal de Anely começou com aquilo e poderia esganar o pescoço da moça assim que a visse na sua frente. Megera era o que ela mais gostava. As crianças também a apelidaram de Medusa, gostava. Gostava dos apelidos, sustentava eles com maestria e isso fazia com que a odiassem mais.
Mas havia um lado de Irene que a cidade não conhecia. A parte de Irene que só viram uma vez: seu lado frágil. A primeira e única vez que a viram tão frágil foi no enterro de Daniel, quando o filho foi enterrado e ela já não podia fazer mais nada, a não ser deixar flores em cima da lápide e lhe pedir desculpas.
Fragilidade – se quebra facilmente, consegue se ver com facilidade e torturar aqueles que tem com maestria. Irene não era frágil, mas as pessoas à sua volta eram frágeis. Petra é frágil, Daniel era frágil, Antônio tinha seus momentos de fragilidade. Angelina era sensível, assim como Agatha poderia ser.
Sensibilidade e fragilidade não são a mesma coisa, apesar de muito parecidas. A fragilidade você percebe facilmente, uma pessoa frágil não consegue esconder que é frágil, ela deixa sinais desde o início.
Uma pessoa sensível só mostra sua sensibilidade no calor do momento, achando que passará despercebida, mas clarividente que não. A sensibilidade demora a se perceber, mas quando isso acontece, é muito fácil de se usar contra quem merece.
Irene não era frágil, muito menos sensível. Era forte, forte como um touro, foi a voz de Antônio que ressoou na sua mente quando ela disse isso. Tudo que ela passou não se esquecia assim, era como se rodasse e não achasse a direção certa, lembrava de tudo. Seu pai a vendendo, a mãe chorando tentando encostar na filha e ela querendo apenas distância daquele lugar. Cândida apertando sua bochecha com tanta força que seus olhos encheram de lágrimas e quando aquele homem finalmente saiu, foi acolhida em um abraço de acalento.
Mas nenhum abraço de acalento é gratuito, tem suas cobranças e suas exigências. Trabalhar como uma daquelas mulheres em troca de segurança foi a proposta, e ela aceitou, se agarrou a aquela oportunidade e sabia que ficaria segura pois todos respeitavam Cândida. Ninguém contrariava aquela que sabia tudo.
Nem Antônio La Selva. Quando ele disse a Cândida que queria casar com Irene, levaram uma hora até que tudo estivesse de acordo e logo Antônio apareceu carregando algumas malas dela – bem poucas, ganhou um banho de loja assim que saíram do bar.