the end of the world

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alerta de gatilho:
tentativa de suicídio,
uso excessivo de remédios.
em caso de desconforto, não leia.

...

breathe the air again
it's a beautiful day
i wish this moment would stay
with the earth.

Irene praticamente se rastejava pelo caminho, as pedras com limo se tornavam escorregadias e os pés estavam começando a sentir uma dor estranha. Trilhou o caminho de volta, mas não queria voltar. Ouviu as águas de longe e pela primeira vez o corpo sentiu paz. Sentiu que ali ela poderia desmoronar e não veria Antônio a sua frente, querendo que ela voltasse, arranjando desculpas. Ele passou duas semanas arranjando desculpas.

Mas ela cansou das desculpas, de ser compreensiva, de estar viva. Ela cansou de agir como um robô e cansou de virar o vidro daquele remédio que lhe dava tanto sono, assim poderia dormir a noite toda. Quando encarou seu reflexo nas águas claras e cristalinas ela se assustou, quem era ela? O que ela se tornou nessas duas semanas?

Petra dizia que a mãe se tornou como ela, uma viciada em remédios para dormir e esquecer a dor. Uma dependente, Irene se remexeu desconfortável, o estômago se revirou e em segundos todos aqueles remédios estavam sendo colocados pra fora quando ela se debruçou sobre o vaso e Petra segurava seus cabelos.

A correnteza começou a ficar mais forte, Irene deu um pequeno sorriso, gostava de correntezas. Ela gostava do perigo, algo que desafiasse a vida dela. Quando colocou o primeiro pé naquela água, seu corpo se arrepiou pela água fria, quando colocou o outro pé demorou até que afundasse todo o corpo naquela água e se acostumar com a temperatura, seu queixo tremia e o corpo implorava para que ela saísse da água, fato que ela ignorou. Nadou até que o corpo estivesse no meio da cachoeira e em contato com o sol, sentiu as águas caírem pela cascata com mais força, com mais brutalidade. O frio a atingiu sem aviso prévio e ela ignorou isso novamente.

Aquela cachoeira era sua confidente de muitas coisas. Ela foi pra lá, lavar as mãos sujas de sangue quando "acidentalmente" atirou em Vinicius. Ela foi pra lá quando ateou fogo na plantação de Aline e foi pra lá quando descobriu que Danielzinho não era seu neto, ela foi pra lá quando seu casamento desmoronou e estava lá com a ação de divórcio. Foram as águas quem socorreram seu choro de agonia.

Ela estava lá, de novo, quando as águas começaram a agarrar seu corpo e seus olhos automaticamente se fecharam, mergulhando sem prévia para voltar, quando abriu os olhos e o sol a iluminava por baixo daquelas águas claras. Claras como os olhos de Danielzinho.

some primal paradise
but there you go again
saying everything ends

Antônio era dela, ou de Agatha. Provavelmente era das duas, quando seus olhos se fecharam novamente, dessa vez um pouco mais pesados. O gosto amargo dos remédios subindo pela bile e se prendendo na garganta. Quando a imagem de Antônio apareceu na sua mente e seu coração acelerou, tentava tirar ele da cabeça, mas era inevitável. Ele sempre voltava.

saying you can't depend on anything
or anyone.

Ela amaria Antônio quando o mundo não fosse mais mundo, ela amaria Antônio quando aquela terra vermelha não desse mais grãos, ela amaria Antônio quando o mar estivesse seco e aquela cachoeira parasse de jorrar água. Quando o som da cascata se quebrando contra as pedras, fossem menos densos.

if the end of the world was near
where would you choose to be?

O barulho das águas começou a ficar fraco, o corpo boiando pareceu pesado e seus olhos não obedeciam o comando para que abrissem.

dói sem tanto. Onde histórias criam vida. Descubra agora