a noite

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ME PERDI NO QUE ERA REAL
E NO QUE EU INVENTEI.

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Traição tem gosto e cor de sangue, era vermelho e um cheiro desagradável. Se tivesse que descrever traição em algum momento, derramaria sangue sob os presentes, porque é esse o gosto que você sente quando se flagra uma traição. Observava a mulher a sua frente que buscava por respostas, estavam naquele jogo do silêncio há pelo menos meia hora e Irene estava quase se cansando. Se não fosse Petra, a moça não estaria ali e Irene poderia estar dormindo, descansando como os médicos pediram. Mas, a filha mais nova achou uma ótima ideia contar seus traumas para uma desconhecida.

Traição tem gosto de sangue.
Tornou a repetir para si mesma, até que seus lábios estivessem fortes o suficiente para pronunciarem aquilo, o sangue é amargo. Há um fio de esperança, a esperança de não sentir o sangue se esvaziando, o suor frio e as mínimas gotículas caindo por sua testa. Traição também é quente, faz passar mal.

Ela repetia tanto essas palavras em pensamento que pensou que a psicóloga já havia entendido e poderia ir embora, estava enganada e agora precisaria conversar como uma criança que fez algo errado.

— Quando a senhora estiver confortável, pode começar. – foi a primeira vez que ouviu a voz da moça, seu olhar foi um pouco surpreso e a moça sorriu. — Meu nome é Ana, peço perdão pela falta de modos.

— Irene. – sorriu, como se não fosse óbvio. — Você deve saber, está com meu laudo em mãos.

— Sei. – a moça riu, colocando o cabelo loiro atrás da orelha. — Mas eu não ligo pro laudo, eu quero saber de você.

Irene engoliu em seco, se remexeu na cama atrás de conforto.

— Saber de mim ou saber o que me levou para aquela cachoeira?  – arqueou a sobrancelha. — Eu não preciso de uma psicóloga, eu não sou louca.

— Psicólogos nunca foram para pessoas loucas, são para pessoas com vários problemas, assim como você. – Irene a olhou sem entender. — Sua filha me contou, pelo menos me avisou algumas coisas.

Irene revirou os olhos, Petra tentava ajudar e sempre acabava atrapalhando. Não que fosse uma péssima ideia uma psicóloga, mas chamaria no momento em que quisesse e queria ter sido respeitada quanto a essa decisão.

Petra tinha empatia, algo que nenhum dos dois tinha, ela era empática em momentos que deveria ser amarga. Ela agia mais como um anjo, talvez um anjo mau, mas um anjo. Petra pediu que uma psicóloga colocasse sua mãe contra a parede, para que a mãe finalmente pudesse desabar.

A psicóloga a encarava tanto que Irene começou a se sentir intimidada, então como não teria outra alternativa ela decidiu falar.

E falou tudo, desabou em momentos que precisava ter demonstrado uma fé inabalável.

— Você não é uma pessoa ruim, Irene. – com cautela, a moça aproximou-se um pouco mais. — Você só está quebrada e não consegue se consertar.

— Eu sou uma pessoa ruim. – ela reforçou. — Você só não sabe disso ainda.

Não sabia que ela puxou o gatilho e atirou contra o corpo de Vinicius que provavelmente já foi encontrado na cidade vizinha.

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