18- Passado, Presente e...

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Eu ouvi tudo o que Joana tinha a dizer, descobri coisas que nunca imaginei terem acontecido, como João me observar por tanto tempo antes de falar comigo, e o primeiro garoto a qual gostei e me envolvi naquela confusão toda, encontrá-lo e dizer que gostava de mim também e que fez uma escolha errada. Porém...

– Sabe o que mais me surpreende nisso tudo? — Encarei a Joana depois de um bom tempo de cabeça baixa, tentando digerir tudo o que ela contou. – Você ter agido de forma tão fria e calculista, brincando comigo e com o João como fantoches totalmente manipuláveis, ignorando os sentimentos e escolhas envolvidos. Eu sei que vai dizer que só queria proteger a sua família, mas por favor, pare! Você está destruindo ela e nem percebe.

– Eu percebi isso, tarde demais. — E foi a vez dela curvar a cabeça e evitar olhar para mim.

– Espero que quando o João recordar as memórias, ele possa te perdoar por tudo o que fez. Ou melhor, ele não vai recordar nunca, não é mesmo? Afinal, por sua culpa, ele não sabe mais diferenciar uma imaginação de uma memória. Como você fez isso? — Ela me olhou com os olhos arregalados e sacudiu freneticamente as mãos como se estivesse negando esse fato.

– Eu não fiz por querer! Depois de ir tantas vezes à escola onde estudou, junto de Nena e Carter, João acabou se lembrando da noite antes do acidente, lembrou de estar comendo com alguém atrás da quadra, e da nossa conversa naquela noite, mas ele disse que não conseguiu ver o rosto da pessoa. Ele me perguntou se aquilo tinha acontecido de fato, e eu fiquei com medo de contar, João tinha acabado de sair do hospital depois de uma crise por muita informação, então falei que nunca aconteceu, que era apenas uma imaginação dele. Eu não achei que ele ficaria confuso assim.

– Mas ficou. Acho que já esclarecemos tudo. Vou te levar até a sua casa. Termine o jantar. — Apontei para os pratos intactos em cima da mesa, e da minha parte, depois de tanta informação, mesmo sem tocar na comida eu já estou me sentindo cheio.

– Não estou com fome. — Após ouvi-la, pedi a conta ao garçom, e ele embalou as comidas para a viagem. Joana até tentou pagar a conta, mas eu fiz o pagamento ignorando completamente o pedido dela para pelo menos dividirmos.

O caminho para casa foi silencioso como a vinda até aqui, exceto por minha cabeça que me torturava com cada informação que acabei de receber. Apesar de toda a dor que tudo isso está me causando, no fundo, eu gostei de saber que João me amou primeiro, que sentiu a minha dor, que me acolheu antes mesmo de falar comigo naquele dia. Me senti livre da mágoa que carreguei pela minha primeira paixão de escola, e com isso, entendi que às vezes tomamos decisões que machucam os outros, e que nos machucam também, e no fundo, só queremos defender nossos próprios interesses.

Quando o carro estacionou na frente da casa de Joana, ela ainda ficou parada, abraçada com a bolsa e em silêncio, mas eu resolvi falar.

– Espero que tenha aprendido alguma coisa com essa situação toda, porque posso dizer com toda a certeza, que eu aprendi muito bem que não posso confiar em qualquer um. Boa noite Joana. — Falei sem sequer olhar para ela.

– Boa noite Mike, espero que um dia possa me perdoar pelo que fiz. — Ao receber o meu silêncio como resposta, ela saiu, e bastou a porta do veículo se fechar, para eu debruçar a cabeça no volante, e soltar tudo o que estava prendendo desde que Joana começou a contar tudo.

Eu desabei, chorei por estar perdido, por amar Joana como uma mãe, por sentir que perdi alguém que por anos, me incentivou a continuar, me incentivou a ir atrás da pessoa que ela mesma me tirou. Mas também penso que ela não fez por mal, e é isso que mais dói, porque ela nos fez muito mal apesar de não ter feito com essa intenção. Não sei o que fazer, só sei que preciso tirar toda essa angústia do meu peito antes de voltar para casa.

Após alguns minutos com a cabeça apoiada no volante e em prantos, ouvi três batidas no vidro e quando ergui o rosto, vi a minha mãe de pé do lado de fora. Logo abri a porta e a abracei forte, ela demorou um pouco para retribuir, creio eu que pela surpresa desse gesto. Fiquei preso dentro do abraço dela, até me sentir aliviado e a partir daí, enxuguei as lágrimas e me afastei.

– Que surpresa. O que você está fazendo aqui? Quando chegou? — Perguntei evitando olhar para ela.

– Eu e seu pai chegamos a pouco tempo, viemos resolver sobre o aluguel dessa casa... — Ela apontou para a casa ao lado da de Joana, onde morávamos antes de tudo acontecer. – E também queríamos ver você e o João. Está tudo bem entre vocês? — Ela perguntou preocupada.

– Sim, estamos indo muito bem. Eu só estou magoado com algumas coisas, mas já me sinto melhor. — Eu não queria falar sobre isso com a minha mãe, ela e Joana são amigas, antes mesmo de eu nascer, e não quero atrapalhar essa amizade por algo que só se relaciona a mim.

– Você sabe que pode confiar em mim, certo? — Concordei, mesmo que dentro de mim agora essa palavra não fizesse mais sentido.

– Já são onze da noite, preciso ir para o hotel, João está lá sozinho. — Nos despedimos depois disso e eu voltei para casa.

Quando cheguei, João estava dormindo, tentei não fazer muito barulho, e fui direto para o banheiro. Tomei um banho relaxante, me certifiquei de que meus olhos e meu rosto estivessem menos inchados, e me deitei ao lado dele assim que me vesti.

Com apenas a luz de um abajur refletindo sobre a nossa cama, observei em meio aos cobertores, a pessoa que carrega boa parte do meu amor. Meu peito que antes estava sendo esmagado pela angústia, se sentiu aliviado ao vê-lo tão tranquilo, e principalmente, ao ver que estamos juntos, que apesar de tudo o que se passou, nosso amor conseguiu resistir, ao tempo, as dores, a distância, a perda de nossas memórias do passado...

E foi pensando assim, e observando o meu amor refletido em sua face tranquila, que me dei conta que estava tão entretido e focado em reviver e fazê-lo lembrar de nossas memórias, que não percebi que estávamos criando novas, tão boas e especiais quantas as antigas, tão marcantes e memoráveis como as que já se passaram.

Não aproveitei como deveria quando passamos a dormir juntos no mesmo quarto, quando começamos a tomar café juntos todos os dias, quando avançamos de apenas beijo para algo além, quando retornamos a lugares que já fomos e fizemos coisas diferentes. Sempre estou me voltando ao passado, não me permitindo aproveitar por completo esses momentos por muito tempo, sempre com medo e pensativo sobre o que aconteceu ou que virá a seguir.

Não tinha notado sequer que o "nós contra o mundo", se tornou mais forte, maduro e inabalável com todas as nossas novas experiências. E que começamos a verdadeiramente confiar mais um no outro para viver, cuidar, e passar por tudo, juntos!

Talvez seja o momento de viver o presente, de deixar ir o que claramente não tenho controle nenhum.

Estou ciente que me esforcei para que João se lembrasse de nossas memórias, sinto que algum dia ele possa se recordar, mas não posso mais viver preso nisso como se a minha vida e o nosso relacionamento dependesse disso, porque não depende.

Prometo a mim e a ele, que guardarei as nossas memórias fielmente como venho guardado por esses anos, as manterei em minha mente por nós dois. Cuidarei para que as nossas novas memórias continuem a ser especiais como estão sendo, e mais que isso, farei o possível para que sejam inesquecíveis.

O sentimento bom que surgiu em meu peito quando tomei essa decisão, afogou todo o sentimento ruim a qual carreguei após a conversa com a Joana, e eu consegui dormir tranquilo, sabendo que no outro dia eu estaria pelo João e ele por mim, sabendo que o "nós" não voltou existir como antes, ele voltou a existir tão forte e poderoso quanto antes, tão inabalável e estruturado quanto antes, e estou seguro de que agora não há quem nos separe novamente.

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