4- Revivendo o Passado (ou quase isso)

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Acordei por volta das seis da manhã, as aulas começam às oito o que me dá a chance de colocar mais uma parte do plano em ação. Fui até a uma padaria próxima ao nosso apê, comprei um bolo de laranja torcendo para ser gostoso como os que comprava na vila, peguei também pães e voltei para casa depressa, afinal cada segundo conta.

Quando cheguei, João ainda estava dormindo, então espremi algumas laranjas, fiz um suco natural e passei um pouco de café só para mim, considero esse o meu combustível para começar o dia, e que por incrível que pareça, ele odeia, diz que é muito amargo, o cheiro é enjoativo, e mancha os dentes. Um absurdo!

Tudo pronto, segui até o quarto, me sentei ao lado de João na cama e mesmo receoso, toquei o rosto dele com as pontas dos dedos, deslizando suavemente pela pele macia que eu tanto sinto falta. Ele sequer se mexeu, e eu prossegui encarando seus olhos fechados, os lábios grossos entreabertos, o nariz perfeito, e por fim, toquei em cada um desses detalhes com o cuidado que nunca tive, como se tivesse tocando uma porcelana que poderia se quebrar com um toque minimamente mais forte.

Enquanto acariciava sua pele, me lembrei de como a vida era boa com ele, de como meus dias se tornaram mais leves quando ele chegou com aquele sorriso tímido e as provocações irritantes que logo nos fizeram próximos e íntimos. No meio de todas essas lembranças, me recordei de como ele me acordou na primeira vez que dormimos juntos, e que esse jeitinho irritante e peculiar se tornou um hábito entre a gente.

– Hora de recordar os velhos tempos. — Puxei o cobertor dele e acertei uma de suas nádegas com um tapa ardente, que por sinal, me fez arrepiar com a sensação boa que me trouxe.

– Você está louco? — Ele gritou irritado e assustado, exatamente como no passado.

– Bom dia bela adormecida.

– Bom dia pra quem? Olha o jeito que você me acordou.

– Hoje não vai chegar atrasado, me agradeça por isso.

– Te agradecer por quase me matar? Juro, eu te odeio! — Ouvir essa última parte me deu um choque, João nunca disse que me odeia.

– Me odeie, se arrumando, o café está na mesa e você tem uma hora pra ficar pronto. Se apresse. — Tentei não parecer afetado, e foquei no café da manhã que também faz parte das nossas memórias juntos.

Me sentei à mesa, na cozinha, e esperei enquanto me deliciava com uma fatia de bolo e café fresco, e tentava não pensar no que aconteceu a pouco. Logo João apareceu, se sentou comigo e ficou olhando as coisas sobre a mesa por um tempo.

– Não vai tomar suco? — Perguntei surpreso quando vi ele encher uma xícara com café, pois como eu já disse, ele não gosta nem do cheiro.

– Você deve me odiar mesmo. — A cara com que ele me olhou, me fez perceber que ele está falando sério.

– Porque?

– Eu detesto qualquer coisa feita com laranjas.

Olhei para ele confuso, afinal, é ele que toma suco de laranja natural todos os dias, e me fez ter esse hábito. É ele que me fazia andar mais de trinta minutos no sol para buscar doce e bolo de laranja em uma confeitaria pois era o único lugar que vendia com esse sabor. É ele quem me fez aprender a fazer doce de laranja quando a confeitaria parou de produzir, e agora ele simplesmente diz que DETESTA coisas feitas com laranja?!

– É sério isso? Desde quando? Quer dizer, me desculpa, não foi minha intenção trazer algo que você não goste, eu só... eu só pensei que você ainda gostasse. — Não sei se ele notou, mas o fato de ele não gostar mais de algo que ele amava, me deixou muito confuso. Será que também estou incluído nessa mudança?

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