Caveiras Falantes

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A lúgubre lembrança de que se devem respeitar os mortos


     Esta descrição é baseada na narrativa #2711 do Arquivo Português de Lendas (APL 2711).


     Se acharem ossadas humanas no meio da vegetação natural, mostrem respeito por quem em vida as teve no corpo (e aproveitem para alertar as autoridades, claro!). E ainda se essas ossadas forem constituídas no mínimo por uma caveira, não digam que esta está apta para comer uma ceia nem convidem-na para ir ter convosco! Isto se não quiserem ter a honra duvidosa de receber uma Caveira Falante em vossa casa – uma honra que pode ser a última das vossas vidas!

     As Caveiras Falantes são caveiras humanas aparentemente simples que podem se encontrar no meio da vegetação quando menos se espera. Foi assim que D. Rodrigo, um jovem fidalgo que gastava o seu dinheiro nas Cortes (locais de residência dos Reis, das pessoas da casa real e das que as acompanhavam) quando até os passeios a cavalo que dava ao amanhecer e ao anoitecer acompanhado da sua irmã D. Madalena, com quem ele e os seus muitos criados viviam num solar, não lhe afastavam o aborrecimento, encontrou uma Caveira Falante num desses passeios matinais.

     Apesar dos avisos da irmã dele, que depressa se afastou para a segurança do (so)lar, D. Rodrigo dirigiu-se ao arbusto de onde sobressaía a Caveira Falante. Pensando estar perante uma caveira normal, disse-lhe que estava convidada para jantar com ele naquela noite. Não pensava, portanto, que as Caveiras Falantes podem falar naquela forma! Foi o que fez a Caveira, com uma voz cava: disse a D. Rodrigo, mal este virou costas, que iria ter então com ele!

     Demorou D. Rodrigo a chegar a casa: foi a um convento e falou aos frades de lá sobre o que estava a passar-se. O Irmão Gregório deu-lhe então uma cruz para afastar forças demoníacas.

     Quando D. Rodrigo chegou a casa, mandou que arranjassem mais um lugar à mesa. D. Madalena, ficando a saber o que se passava, recusou-se a deixá-lo sozinho naquele jantar.

     E então bateram à porta do solar. Quando abriram a porta, entrou a Caveira. Era agora um vulto sem rosto – as Caveiras Falantes também podem assumir a forma de vultos fúnebres. E pediu a D. Rodrigo, de maneira provocativa, que o seguisse para a sua morada. Apesar da insistência chorosa de D. Madalena, o fidalgo seguiu a Caveira. Nenhum dos dois falou enquanto não chegaram à referida morada.

     A morada da Caveira era uma igreja ao lado de um cemitério; uma tumba estava aberta. A Caveira começou a empurrar D. Rodrigo para a tumba; havia uma ceia à espera, disse ela. D. Rodrigo resistia; trouxera consigo a cruz que lhe deram. Então a Caveira relevou: foi um cavaleiro muito pecador em vida como o fidalgo; e isso condenou-se à danação eterna!

     Mas a Caveira se acalmou por fim: disse que as preces de D. Madalena tinham-lhe aliviado o sofrimento. Aconselhou D. Rodrigo a mudar de vida e a ser mais respeitoso com os mortos que encontrasse. Disse-lhe mesmo o que deve sempre acontecer: que a alma ceda. À Bondade.

     A Caveira voltou para a tumba, e D. Rodrigo regressou a casa, a balbuciar «Alma ceda». O fidalgo, depois de se recompor, mudou de atitude: distribuiu os seus bens aos pobres, que ali acorriam e passavam a viver. E foi assim que surgiu Almaceda, no concelho de Castelo Branco.

     Quem diria que meter-se com uma Caveira Falante desse origem a uma terra?



Fonte da imagem: Aido Bonsai (site)

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